terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Unibandalheira: uma anatomia do "Caso Geisy"
Quem é o culpado? A própria universidade. Quando não estatui o seu modelo disciplinar, quando não há um regimento interno, ou, se há, não o faz valer. Conforme declarações públicas de alguns alunos e, também, da personagem vitimizada, não é de hoje acontecerem manifestações relacionadas à "indumentária" e à, digamos, "exuberância" de tal aluna. O que houve, na realidade, foi um excesso no tipo de manifestação, uma espécie de extravasamento de um sentimento latente e coletivo, paulatinamente acumulado, em que se deu o estopim num determinado gesto ou atitude vulgar.
Que tipo de sentimento seria este? Bem, não é difícil imaginar, considerando que a população discente é composta, na maioria, por adolescentes, e que os níveis da testosterona sejam, de fato, elevados. Isto, acrescido ao estado libertino qual se permite esta casa de ensino, haja vista a quantidade de estudantes que ficam perambulando a esmo, constituiu a pré-mistura. Farinha e fermento para um bolo. Faltava a gota d'água, ou, mais apropriadamente — em se tratando de bolo, é claro —, o tanto do leite. A questão é: se a massa não é moldada e vá, imediatamente, ao forno, é previsível que desande ou, até, cresça e rebente. A essa equação temporal é que uma reitoria não poderia se furtar.
A multidão, assomada pela histeria, em que haja contribuído a desinformação ou até algum boato capcioso, imitou estouro de boiada. Improvável seja que cerca de 700 alunos tenham tomado, ao mesmo tempo, conhecimento do fato originário. Mas não se descarte, no seu bojo, a mera curiosidade, qual deflagrou tumulto. Dadas as condições arquitetônicas, o próprio vão do edifício proporcionaria a reverberação do vozerio e do ruído das passadas, fazendo com que aqueles alunos que não estivessem à deriva, nos corredores, e, sim, adentrados nas salas de aula, se evadissem e participassem, sem mesmo saber do quê. Mais uma vez, peca a universidade em virtude da permissividade, aliada à falta de pulso dos seus docentes.
Ao grupo inicial que, sentindo-se incitado, e, em assim sendo, se permitiu assediá-la, mormente na obtenção de "privilegiado" ângulo fotográfico, se ajuntou outro, formando a turba, ao melhor estilo Talibã. Frustradas intenções passariam, primeiro, a sitiar o sanitário, para, em seguida, submetê-la à execração, onde desafetas vozes femininas também comporiam esse coro. Se, por um lado, sucedeu constrangimento e difamação, por outro, não há registro ou prova cabal de quaisquer danos físicos. Mesmo, sequer, dessa intencionalidade, como alguns pretenderiam. Basta examinar as imagens e os sons dos vídeos, amplamente divulgados, ao rigor da imparcialidade, corroborados pelo natural depoimento da protagonista.
Uma análise responsável não pode ser excludente, ainda que superficial. Anexe-se, então, a ela, um breve perfil do pivô: maior, tipo caucasiano, não esbelta, não bela, proletária, aluna de curso de Turismo em universidade privada. É de se recear que, nos devaneios da impubescência, já buscasse algum compensatório. Veria, na confessa vaidade, ainda que em duvidosa estética, o caminho da autoafirmação e ou da aceitação.
Não obstante se coloquem em cheque os valores morais e os de ordem comportamental, em que a mídia aproveitadora, tendenciosa e sensacionalista — como tem sido a praxe — busque manipular a opinião pública, atacando a discriminação, não residiria, aí, o fulcro. A tese é bem mais complexa, envolvendo até um desregramento, no que tange ao processo dito democrático. Não se extraia, daí, apologia ao retrocesso, mas a desordem e a impunidade têm sido a tônica desse estado.
Permito-me uma ilação: qual seria a diferença entre os marmanjos do tal estabelecimento de ensino e operários de um canteiro de obras? Praticamente, nenhuma. Com a popularização dos aparelhos de telefonia móvel, vulgo "celulares", com câmeras embutidas, além dos contumazes gracejos ou apupos, não faltaria, aos segundos, o desejo, também, de registrar fortuitas imagens. Ressalve-se somente um senão: caso viessem a perseguir a dita cuja com este intento, abandonando, assim, seus postos, por certo perderiam seus empregos. Mas não é tão ou mais sagrado o lugar onde se ganha o pão edificando a casa alheia?
Um tsunami de hipocrisias é o que vem inundando as combalidas fortalezas da ética. A insólita reação da cambada, travestida por supostos preceitos, é o que vem causar comoção. Pois não se turve a vista ante aquilo que constituiu um verdadeiro e atual estrato da sociedade, um extrato dos valores vigentes. Principalmente, se a vaga universitária possa ser vilipendiada através do reles ato comercial.
Traficante de drogas portar arma, ostensivamente, no morro, pode? Pode. Viciado fumar crack ou maconha em via pública, pode? Pode. Motorista alcoolizado atropelar pedestres e pagar fiança para sair da cadeia, pode? Pode. Governador de estado promover festival de corrupção em palácio, pode? Pode. Então, Mauricinho que frequente faculdade particular e queira fotografar a parte mais interna e superior das coxas de uma Patricinha, também pode, não é?
O que não se pode é dizer que ela tenha feito questão de mostrá-la. Ou pode?
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Ave Geisy
Desbundadas descoxadas
Que do alto daquelas sacadas
Imprecaram-te, mazeladas
Naturismo
Culturismo
Futurismo
Ah, quantas faculdades
Advêm dessas vaidades
Quando à rampa acessa
A tua graça altaneira
Exclama a turba possessa:
Trepa tão bem a rampeira!
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Na Ponte dos Ingleses
Do galeão do Pirata
Se estende amotinada
Chamam-na Ponte
Resquícios dos ingleses
Brincando de Gancho
Pernapautei duas vezes
Ah, eu me garrancho
Nas frestas do tabuão
Os murmúrios são franceses
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Fatoriais Infrações
A cama, ampla, na estrutura e nos sentidos, bem no seu meio retinha a nudez, e bem no meio dessa nudez um rego dividia-me, múltiplo. Toda aquela indolência se comprazendo, por entre as arreganhadas capas, com cada página desvirginizada. Ela adorava ler. Ler e ser.
Bastava um giro na cadeira para que eu desfrutasse. Mas não cabiam essas banalidades. O reflexo na tela era o tanto necessário, o quantum satis do que nos tornava sutis — jogo roubado, regras proscritas. Eu gostava disso. Desse senso absoluto daquilo que se possa desentender e que alguns insistem prender em uma só palavra. Liberdade?
Do nada, eu cuspo na tela; cuspo em mim mesmo, cuspo na minha insuficiência. Cuspo na presunção. Num átimo irascível, me torço. Alavanco-me e faço a cadeira ceder espaço, impelida por sobre os rodízios. Do mesmo nada me lanço, esquálido bote que redundará em risadas. Fatoriais risadas, infrações divididas.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Predador
...
A invasão da luminescência esbarra nas frestas da persiana. Rasteiro, espreito respiração, movimento mínimo que aguce. O fugidio atiça, orelhas felinas captando o lânguido espreguiçar nas estepes, acetinada denúncia da pilosidade feminina.
Sorrateiro, aperitivo seu pé; geme, ferida. Lambo a cor da epiderme, abocanho a junta que se desdobra; defende-se, entregando. Cravo os lábios na jugular e me sacio no estertor.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Pré
Quereria fazer um poema
Todo explicadinho
Uma espécie de carinho
Rasgado, um teletema
Mas lá se foi, inédito
O rimado pelo ar
Quando acabou o crédito
Do meu celular
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Requerimento
Para tanto, declara nunca ter sido fichado, graças ao bom deus e à amizade do delegado Silveirinha.
Roga, ainda, se possível, apressamento no despacho, já colocando à disposição dos senhores vogais livre acesso ao nosso modesto suíngue, onde serão muito bem recebidos por limpinhas consoantes.
Sem mais-mais,
N.T.
P.D.
Cacimbinhas, 29 de outubro de 2009
(assinatura ilegível)
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Lado B
Boquirrota
Bancarrota
Baudelaire
Borderline
Bordelar
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Perfunctório
Deixemos que esta airada verborréia se esparza e vamos ao que cumpre. Ao fulcro. Ao cerne. De que adianta me valer de tretas, se não me avenho, todavia, com as Letras? Penso. Respondo-me: és, de graça e por desgraça, um efeito perfunctório. De fato, peremptório flato.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Teorias Supositórias
...
Num istmo de pedras luzidias, o pensamento escorreu, falsa-baiana, às ladeiras. Antes do derradeiro embate zerado e antes, ainda, daquele fiasco pró-boliviano, a Seleção escorraçara, festejada a Olodunga. Deletério, enxerguei milenares olhinhos enviesados por trás de um cafuzo sincretismo de batuques. Não é isso. Se fosse, a Copa seria, sempre, amarela, jamais canarinha. Mas, entenda-me, meu caro Zangalo: o que cala são as cores da alma. Não esse branco de neve, que, quando muito, não passa de um pastel. Até 2010. Atchim.
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Livremente inspirado no vídeo sugerido por este tópico:
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Puteiro Amado, Brasil!
De primeiro, chegaram uns pleibóis, com suas caravelas tunadas. Foderam com a mata. Foderam com as índias. Foderam com tudo. Pagavam em miçangas e se estabeleceram, mui dignos rufiões. O turismo sexual ia bem, logo atraindo franceses e holandeses.
Esta diversificação da clientela meio que complicara a vida mansa. Pois, pois, engenhosos gigolôs resolveriam. Correram a surripiar novas carnes, lá de Mamma África. Articulou-se, assim, por um bom tempo, a questão: davam-lhes a cana a chupar, enquanto, concomitante, assoviava a chibata.
Eis que, nas tardes, não tendo com o que se ocupar, a nada bela Isabel deixara se rasgar por um mulato. Relações irrompidas, nasceria o samba. Daí foi um pulo pro Deodoro rebatizar o prostíbulo. A inglesada já viria contrabandear seu uísque e até uns austríacos meteriam ferro na estrada.
Casa de tolerância que se preze há que pagar propina. Quem desafiaria velhos xerifes do oeste, se é assim que se mantém a ordem? O progresso ficou por conta de um cafetão, que não gostava de praia; resolvera iluminar o altiplano.
Mas a luminescência tomou cores. "Nada de luz vermelha!" - bradaram fardados ciúmes. Gramofones e eletrolas ficariam proibidos de executar o róqu'enróu. Período monótono, em que o randevu limitou-se a rolar em colchões suíços.
De repente, a calmaria se alvoroçou com um tropel mirando abertura, sem, entretanto, descuidar da reta guarda. O cabaré foi ganhando segurança, providenciais saídas aos fundos. De fogo, extintores da língua, tipo ABC.
Dilma-me uma coisa, sem retumbar: é ou não esplêndido esse dossel? Entre outras mil, mal ou mel, és tu, Bordel.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Bucetão, Substantivo Masculino
Não irei praticar a hipocrisia barata e negar que, em outros tempos, alimentei vaidades de escriba. A mediocridade da expressão se incumbiu de abortar o suposto direito. De que valeria mais uma puta sem alma na quadra? Mais um pedaço de carne, com dentes cariados e unhas encravadas, vendendo a contaminada flora vaginal? Ainda que ela frequentasse academias e luxuosas boates, não passaria de um buraco esporreado.
Ninguém quereria radiografar o infausto lustro ou diagnosticar neuroses gramaticais. É tão fácil abrir as pernas e gemer, estimular com frívolas artimanhas. Não queiram me execrar quando trago, a cabresto, os vícios da masculinidade, se é destas vísceras que extraio a vastidão feminina. Não, não me interpretem mal, não estou em busca da sedução. Isto seria recair na vulgaridade. Careço muito mais. Escalavrar a buceta e me sentir a vadia, a vagabunda, a quenga. Deus acolha aqueles que acaso me leiam homossexual, pois, dos celestiais, é o reino da inocência.
Livro? Evito foder em público quando posso me publicar entre sete paredes, me desanuviar no mato.
Puta que o pariu, parei por aqui, porque tem dois sabiás me apupando: I hate you! I hate you! I hate you! Vão se danar, seus poucamerdas! Fodam-se, nem nunca li Kant, vivo me contradizendo, ouço vozes e, aprovem ou não, hoje sugarei um útero. Até sangrar.
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N.A. - Bucetão e buceta: grafia autofacultativa.
sábado, 3 de outubro de 2009
Primeira Vez
...
Sentindo a pressão na virilha, deslizou os dedos pelo volume. Puxou, açodadamente, por cima da cintura e, em vias de consumar, esganiçou: "— Perdeu!"
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Créditos
Ignorando a lama que reclamou seus cadáveres, a pitangueira malicia no sorriso. Senti o cio no bico das folhas. Logo, logo, vestirá seu estampadinho. Mas, não adianta, perco para o sabiá. É sempre dele o cabaço. Depois, já bem putinha, até sobrará.
Fumo até brochar. Antes, era pra caralho. Dizem que o caracu alevanta. Sei não... Num canto, o buquê das bromélias se ri da hipocrisia. Eu, com cara de cu, embromo, ajardinando créditos de carbono.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Prosaico Inverso
Um presidente cachaceiro
A tevê, aberto puteiro
Eleição pra cafetina
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Barbas por Barbas...
Antes que os vapores subissem por linhas tortas, condensei o programa de governo no verso da propaganda das máscaras, essas tais que lavam as mãos em álcool-gel.
Habitação
As favelas transformar-se-ão em gigantescos condomínios fechados. De luxo. Cada unidade domiciliar receberá verba do PAC para satisfazer os devidos ajustes. Se a grana não vier? Simples: pac, pac, pac em quem não a envia.
Autossustentabilidade
Hortas comunitárias, com esforçado acompanhamento técnico. Privilegiar-se-á o cultivo de espécimes nobres, tais como a cannabis, a papoula e a coca. Pra que importar, se podemos ser autossuficientes? Nesta fórmula, buscar-se-á uma melhor distribuição da renda, desde as atividades primárias até o refino.
Saúde Pública
Cada grande condomínio terá seu nosocômio. Nada mais salutar do que a pureza das alturas. Podemos bem administrar o superfaturamento da obra, combinado ao subfaturamento do autor. Remédio há de não faltar. Nem preço a pagar, naquilo que chamar-se-á, legitimamente, drogaria popular.
Segurança e Justiça
As comunidades contarão com guaritas ocupadas por experimentados guerreiros, munidos de qualquer-coisa-antiaérea, uma vez que o que vem de baixo nem mesmo arranhe, e coletes à prova de bala, serigrafados com a griffe da facção, indicando quem dá o tom nessa balada. Será banido o exercício da advocacia, abominável prática da remessa de numerário aos rivais do Supremo. Os julgamentos serão sumários, sumérios e sumírios, com direito à incineração.
Educação E Cultura
Nos espaços contíguos às casas de saúde, erigir-se-ão complexos educacionais, visando à economia do transporte, em caso de punição a professores que ousem cercear a liberdade de expressão. O projeto será provido de quadras para a prática do futebol e do esqueitismo, salvaguardado o privilégio da utilização, quando assim entenderem por necessária, às agremiações carnavalescas. Ainda, no interesse da formação profissionalizante, área haverá destinada à linha-de-tiro para livre iniciação. O currículo escolar ficará desobrigado ao ensino da língua portuguesa, haja vista o alto índice de reprovação que se lhe tem reputado e do seu inócuo e inservível proveito prático.
Penso que dois buracos com tacada única possamos, assim, acertar: deslindar a intrincada equação do que venha a contemplar o mais amplo senso do bem-comum, sob a concepção de inequívoca verdade, já auspiciando momento histórico, em qual se registre o resgate da mais autêntica das lideranças. Partido, depois inventamos. Tem uma sigla que vive se insinuando à fugaz inspiração: PCC. Mas, de pronto, já temos lema: "Barbas por barbas, vote no Jarbas".
domingo, 16 de agosto de 2009
Pra Depois
Teu corpo gramaticar
Num esforço alveolar
Se a verve já levanta
Se o sangue já estanca
Na cavidade cavernosa
Versos galgando a prosa
Da musa feita potranca
Vou deixar o lirismo
O açúcar com canela
A palavra que só fela
O arroz-deleite, se cismo
Que essa barra ainda aguenta
Acrobacias sem nexo
Que fiquem as dores do sexo
Quiçá, pra depois dos setenta
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
A Divina Invisibilidade dos Anjos
Deparei-me com o sabiá estufando o peito alaranjado, de frente pro holofote, num galho caduco do segundo andar do cinamomo. Fitou-me, talvez desejando bicar o chimarrão, que nem bebo. Depois, veio outro. Pulou no pilar do muro e cruzou a fronteira, indo parar, acintosamente, um andar acima.
Cismei com aquela mobilidade, que independe da cotação do dólar ou da gripe suína para alcançar espaços cada vez mais longínquos. Que não faz check-in, nem aquele barulho chato de boiada se embretando pelos fingers. Que não fica catando o movimento das comissárias, tentando adivinhar a minhoquinha que será servida, enquanto turbulências sacodem triplos poleiros.
Pudera ser você, canoro penugento, e migrar sem compromisso. Voar solo, de dez em dez minutos, atravessar rios sem usar pontes, beliscar pitangas e me saciar com gotas. Leve, econômico. Quase livre.
Os pássaros sumiram. Ao alcance dessa curta visão, restou um corpo acabrunhado. Que absurdo! Dá nem pra imaginar essa carcaça alada. Ridículo!
Estatelei-me na realidade. Compreendendo, de vez, a divina invisibilidade dos anjos, acendi um cigarro e fui procurar promoções na Internet.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Mantra
Teta, teta, teta
Tetragrama, teragrama
Terapeuta da chupeta
Eta, eta, eta
Passa a vara nesse lombo
Pau rangendo a carreta
Meta, meta, meta
Metamais, metanóis
Metamórfica punheta
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Sala Limpa
De tão uniforme, a nata asfáltica amalgama-se aos elastômeros, deixando leve rastro audível, só um cricrilar oriundo das aletas do rotor. Estanco à vaga mais próxima do acesso principal e interrompo a corrente. Autômato, cruzarei o saguão. O vigia, ao perceber-me vulto, esgueira um olhar de canto, que logo subiria ao relógio, quedando, redirecionado, ao filme. Passo rente e lhe escapa um 'noite, doutor', qual retribuo, mínimo meneio.
Descalço-me e dispo o macacão, que vai para o incinerador. O corpo nu será recoberto, dessa vez, pelo avental, pela toca, pela máscara e pelos pares de pantufas e de luvas da embalagem esterilizada. Prossigo e alço a íris ao dispositivo de reconhecimento. Abre-se o primeiro estágio da porta tríplice; avanço. O comando fecha a primeira seção e vaporiza o composto que aniquilará bactérias, liberando a passagem para o próximo. Um passo e meio me colocam ao centro do círculo onde receberei uma descarga ionizante e a varredura gama. A leitura digital aprova o meu status. Adentro, enfim, a sala.
É preciso ordem. É preciso ânimo e convicção. É preciso máxima assepsia para sofisticar a eficiência da dejeção eletiva.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Do Filme da Vida
Mas esforce-se para manter um sorriso congelado, para que aqueles do seu bem-querer se sintam confortados, e, sobremaneira, para que a banda podre fique bastante cismada. É do Além.
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Prenúncio
Se quisesse fixar, talvez não supervisse o corpo franzino esgueirando-se por detrás das folhas. Nem, por debaixo delas, os pés desnudos, que amassaram a grama sem farfalhar. Sentia-me espreitado e desabava num silêncio de não desfazer. Deixei-me. Fluir, encontrar.
Imóvel, a timidez das pupilas contrastava com desejos castanhos na íris. Dos braços esguios pendiam desatitudes, e dessa inanição emanava a premência. Segredei as palmas na eletricidade das minhas e as polaridades se completaram nos lábios.
A torrente desceu. Pediu abrigo. Depois, só o repenicar da garoa.
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Atração Fatal
terça-feira, 19 de maio de 2009
Churrasco
Maio, cheiro da graxa desmanchando ao braseiro imiscuía flor de eucalipto. Fora apeando o baio que já avistaria o russo, lenço maragato e bombachas, botas cano-alto, pretas e lustro. Em pé, à frente dos outros, o sol lhe crestava a fronte e sombra competia com a de figueira. Viu quando fechou um dos olhos, apurando mira no outro. Cariótipo soviético, Dostô era sisudo, mas inspirava confiança.
Laçou moirão com a rédea, bateu pó do chiripá, se recompôs da troteada. Foi se achegando, passo descansado, sem-cerimônia.
– Buenas!, chê
– Dobro pozhalovat'! – chapéu bandeado, cuia na mão, o russo lhe daria meio abraço.
Esborrachada num banquinho, a voz de Johann saudou:
– Te aprochega, fifende!
Goethe içou a obesidade, que preferia bombacha e alpercatas. Franco sorriso branco, despontando algum dente dourado, estendeu mão. No contínuo, apôs quebra-costelas. Seguiu praxe, um a um firmando mão, batendo paletas. Aboletou-se num cepo e recebeu, vez de visita, honra da servida. Porongo amoldado, reavivou roda.
Johann reacenderia: "– Chegaste em boa hora. O coroné ia mesmo se gabando dum sucedido." "Causo cabeludo!" – arrematou Llosa. As atenções foram para Graciliano. Pigarreou, deu pito ao palheiro e se aprumou: "– Entonces, como eu ia dizendo – e minha santa mãezinha do céu testemunhe verdade – tive um entrevero dos brabo. Lá pras bandas do Oiapoque..." Desfiou arenga qual calango matuto que ponha jacaninã em pé e ainda lhe atente rabo-de-arraia sem sofrer bote.
O mate prosseguia mão em mão. Antes da erva se dar por lavada, um naco, que já desossava, rompeu por aperitivo. No seu canto, chiru Llosa há tempos desembainhara o três-listras. Guapo, rangia fundo à charla, chairando enquanto acoitava vez. Deu-se o primeiro a provar da minga, firmando osso quente na calejada, cravando dentes. A lâmina se incumbiria de porção, descendo rente ao bigode.
Fez-se agrado ao mulherio, lascas escolhidas. Johann chamou Clarice a lhes alçar prato. A patroa já fora noiva de um certo Whitman. Cismara com o americano a tratando por Cléris. Não era ela. Ou quando, açucaradamente, lhe desferia um honey, que mais soava a pônei. Noite qualquer, sonhara com ninhada de centauros lourinhos. Dia seguinte, desfez.
Da cozinha, as solteiras espiavam. As casadas comandavam, advertindo cebolas e limões, salada, suco e temperos. Alvoroço de chitas encobrindo brasas. Assanhando-se. Assando-se. Churrasco, que nada. Venha logo esse gaiteiro, traga bailanta!
– E esse moço que chegou há pouco, tia Clá?
– Te apiana!, Flor
Não fosse malagueta a pimenta, que se ardesse na prudência. E adianta?– Mas ouvi dizer que faz verso, que declama...
– Só um almofadinha da cidade, metido a trovar nas canchas de osso.
– Tem nome ele, não?
Clarice bem sabia que é besteira aguar. Que água só faz espalhar. Que jogá-la às chamas só levantaria cinzas.– Lhe chamam Pessoa. Um tal de Nando.
Clarice há muito sabia...
segunda-feira, 11 de maio de 2009
Planador
Alço-te em sobrevoo
Pico e cabro
Devorando coxilhas
Em asas sem propulsor
domingo, 3 de maio de 2009
As Coisas Mais Simples
O que me dói é não ter corrido pra te levar um guarda-chuva na saída da escola e ficar com a maior cara-de-tacho porque o sol trapaceou e resolveu reaparecer. É não ter assistido àquele primeiro filme que provocou uma tremura na alma e ficar taquicardíaco toda vez que toca aquela música. Ou não ter escrito o 'eu te amo' num cartão do dia dos namorados.
O que me dói é não ter subido ao terraço daquele prédio mais alto e olhar pras luzes e pras estrelas, como se fôssemos o topo do mundo e que o universo é que girava em torno de nós. É não ter sofrido os minutos da espera por um encontro e perceber que os segundos da ausência são um imenso tempo perdido. Ou não ter rido dos tênis sujos com o orvalho e o pó da terra e dos jeans impregnados de pega-pegas, depois de um andar de mãos-dadas pelo campo.
O que me dói é não ter me sentido o grande cavaleiro que enfrentou o dragão da farmácia e trouxe pra sua heroína um mero pacote de absorventes. É não ter entrado duas vezes na mesma fila pra ganhar mais uma provinha de sei-lá-o-quê e retribuir com um sorriso o ar condescendente da demonstradora. Ou não ter se fingido de indiferente pelas unhas pintadas num tom diferente e tentar manter a farsa diante da cara azeda de decepção, só pra poder imaginar a cena de uma bolsa sendo aberta, onde um misterioso bilhetinho confessa ter adorado a cor: "— Cachorro!"
O que me dói não é não ter a fúria das bocas se engolindo de paixão. Não é a saudade dos corpos se esfregando alucinadamente. Nem a falta do abraço mais confortante depois do êxtase. O que me dói foi não ter vivido isso: as coisas mais simples.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Abril, Meu Abril Brasileiro
O 2009 não passaria incólume. Numa façanha televisiva, nós, meros espectadores, assistimos ao inusitado. Eis que a excelsa corte da magistratura, qual deveria ser o baluarte da dignidade e da justiça, não passa de uma fanfarronada, de uma grotesca imitação de programas de ratinhos, onde gatos e gatunos se travestem com a toga. Um descalabro espetacular diante das câmeras, com atores cometendo toda a sorte de bizarrices injuriosas, sem, contudo, tropeçar no que tange à calúnia. Estaríamos vislumbrando a ponta de um iceberg? Eu não ousaria macular a honra da água, em seu estado mais primitivo e puro. Temos aí a ponta, sim, mas de um cagalhão, e que pouco destoa do lodo que lhe arremete à tona.
Tanto Mendes, quanto Barbosa, são ofídios do mesmo ninho: ambos foram Procuradores da República. O primeiro é cria do FHC. O outro, do Lula. Indicações. Vejo, perplexo, magistrados de ilibada conduta pronunciarem-se: não há nada que se possa fazer. O colégio daqueles superiores juízes não possui, sequer, poder censório. Caberia, no entanto, ao cidadão comum, a iniciativa de propor ação junto ao Ministério Público, fulcrada em diplomas que tratem da falta de decoro ou, com mais rigor técnico, da improbidade administrativa. Mas quem seriam os julgadores, caso a petição fosse acatada? A resposta é uma piada, refinado humor negro: o Senado. Este é o preço da democracia.
Enquanto subsisto aos malfadados desígnios dos presidentes por mim não escolhidos e porquanto este dito estado democrático ainda me garanta a liberdade de expressão, me avoco, então, o direito de assim interpretar a sigla: Súcia Temerária e Funesta.
Ah, e a Vossa Excelência que acaso ledes e me julgais por estas supremas linhas, vos direi, com toda a liturgia e pompa: ide tomar em vosso cu.
E me respeite!
terça-feira, 14 de abril de 2009
Xico
Domingo morreu Xico Stockinger, oitenta e nove, escultor. Austríaco, naturalizado brasileiro, preferiu os Pampas. Quem conhece? Ouvi alguém dizer 'eu'? Ah, você é porto-alegrense, não é? Ou, no mínimo, gaúcho.
Xico possuía a genialidade do essencial. Fundia seus próprios bronzes num cadinho de estimação. Gostava de explanar o processo, invariavelmente com um 'não tem mistério'. Mimado pela burguesia, vivia em casarão da Zona Sul, vizinho das vaidades quais não cultivava. Ao contrário, elas é que vinham paparicá-lo — talvez um generoso desconto. Eis a diferença: burguesia pechincha, aristocracia concede. Não é incomum encontrar um Stockinger, um Prado, na antessala de patuscos advogados.
O tosco ateliê constituía verdadeira afronta à distinção internacional e, na espontaneidade dos simples — mas raros — diria:
"— Vi, numa revista, uma reportagem sobre a baixa estatura de um povo, causada pela fome. Aí fiz esse gabirus de um metro e trinta, tamanho natural. O artista tem que mostrar essas coisas, isso que acontece por aí e ninguém faz nada".
A paisagem da urbe muda. A todo instante, a ganância dos construtores quer, ávida, impor. Agora é um 'Pontal do Estaleiro', grandes prédios, shopping centers e unidades habitacionais de luxo. Que façam. Há de faltar Stockingers para decorá-las.
Não o conheci, pessoalmente. Por certo não lhe acrescentaria nada e isso me deixa a consciência tranquila. Mas sentirei a falta. Não da obra ou do autor. É a inquietude de saber que, lá, num galpãozinho, entre as treze e as dezoito horas — vinte, no verão — morre, aos poucos, mais um pouco, Porto Alegre.
terça-feira, 7 de abril de 2009
Canção a Olavo Bilau
A querer meter na bunda
Pretensão de tão longeva
Fica além do que aprofunda
A boceta não tem dente
Mas castiga na medida
Não aperta o pau da gente
Nem carece de cuspida
Se a donzela é recatada
Das que tomam limonada
É melhor ficar esperto
Segurou merda travada
Pra cagar de madrugada
Se borrar vai quase certo
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Bobo
Que até boboreio
O fel por bom-bocado
Sou tão bobo
Que me boboro
Com teu riso mais guisado
Em estepes rarefeitas
Ufano-me tal lobo:
Pensa que não sou bobo?
Por que o primeiro?
Por que o de abril?
Culpa do cara da bombril?
Até aquele fim de março
Se fui feliz algum dia
Eu era bobo e nem sabia
quarta-feira, 25 de março de 2009
Variantes
Prefiro
Ao pôr-do-sol, a estrela vespertina
À Disneyworld, a Chapada Diamantina
À suada Copacabana, uma London com neblina
Ao loft do condomínio, um castelo na colina
Ao trinado na gaiola, o piado da rapina
Ao legítimo scotch, um vinho de cantina
Às glórias de guerreiro, os pecados da esquina
À bunda da Aguillera, Kelch der Liebe na surdina
À super-fashion-top-model, tu de saia e botina
Ao Mel da Lisboa, dos teus lábios a morfina
Sou gótico?
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Prefiro
À romântica Veneza, a frieza cisalpina
Ao toque artesanal, tudo à pilha alcalina
Ao desalinho do acaso, a ordeira disciplina
Ao frutífero frescor, a ampola cristalina
À nacarada pérola, o rutilo da platina
À liberdade da prosa, da métrica a rotina
À simpleza natural, maquiagem e purpurina
Ao onírico retrato, teu sarcasmo na retina
Ao platônico amor, tuas ancas à Messalina
À preliminar carícia, te comer com vaselina
Sou robótico?
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Prefiro
Ao precioso lácteo, me encharcar de cafeína
A uma bala na cabeça, morte lenta, nicotina
Ao sono do justo, conectar-me na matina
Ao discreto traficar, tudo exposto na vitrina
Ao lento par de tênis, a veloz gasolina
Ao soberbo nutriente, bolacha com margarina
Ao latino insinuar, minha porção feminina
A melão de silicone, sinuosidade pequenina
A aceitar tua grafia, me entorpecer com Elaína
À possibilidade do impossível, tentar
— não dá nada, nem combina
Ah, sou caótico...
quarta-feira, 18 de março de 2009
O Encarnador
Especializei-me em seduzir freiras. Não são os corpos que contam, mas a ilha proibida. Apresento-me à madre superiora com as superiores recomendações de outra madre: "Trata-se de profissional sério e competente”. De resto, mulher é mulher. Gosta de galanteio, segredo e poesia. Vasculho a vaidade e o pecado se apresenta. Pecado é a palavra mais erótica que conheço. Quando no diminutivo, causa furor uterino.
As celas são limpas e recendem à pureza. "Com licença, irmã. Posso examinar o toalete?” — adentro aliciando, serviço à francesa. Se ficar à porta, observando, é caminho. Conduzo as preliminares exigidas por aquela intimidade. Calmo, preciso, sem denotar força.
Faço valer o verbo. Sutis metáforas. Das curvas de um vaso. Da rigidez de um cano. Do intercurso hidrodinâmico. Sano, saro, limpo e atiço. Até tornar-me digno de um copo d'água. Que recebo com premeditado toque. Escuso-me em versificados goles. Sorvo e me deixo sorver.
Serei reconvocado. Serviço mal feito? Nada. Inadvertido, o relógio se deixara ficar. De pulso perfumado. De horas de imaginação. Mas é homem que adentrará.
A melhor parte são os arrependimentos. Beijamo-nos e abraçamo-nos e choramos de desesperos de culpa. Fazemos pactos de mútua punição. Rezamos penitências. Nus, no catre, ajoelhados, lado a lado. Meu sexo parece, também, querer rezar. Uma segunda bem dada e toda a ladainha de novo.
Então me afasto. Saudade que se incumba e haverá tarefa.
sexta-feira, 6 de março de 2009
Se Todos os Homens Fossem Padres
Não confesso nenhuma fé. Abdico de convicções, mas há condutas. Quem há de nunca se deixar seduzir por eclesiásticas arquiteturas? Pela perfeita sebe de um monastério? Por rotinas de paz? Acrescente-se gosto elaborado. A harmonia habita, a despeito das artes em profusão. O tempo, categoricamente, equaciona-se e surte.
Abandonemos a obra e construamos olhar ao autor. Íntegro, disciplinado, culto, afável, ponderado e convicto. Escalas que não pontuam quesitos de uma noite só. Edificou sólida multinacional que desconhece crise. Modo contrário, per seculum seculorum, dela subsistirá. Consolida patrimônio físico e intelectual por conta do invisível serviço. Investe frações temporais em outros. Sobremundo que pactua com o poder, apartando-se de leigas catástrofes.
Padres não matam padres. Não roubam. Não traficam. Têm estabilidade, plano de carreira. Não divorciam-se, não abortam. Não sofrem paternidade. Nem legam herança. Filhos, que sejam dos outros. Mulheres, amém.
terça-feira, 3 de março de 2009
Criptografia
Então me masturbo na filosofia. Não essa que faz escola, que idolatra ou que imita, que define, que limita. Também não aquela outra, absurda, que diz aprender com o filho, mas nada ensina ao pai.
O segredo maior não se oculta; guardar é sucumbir à descoberta. Difícil, mesmo, é não ser. Nem niilista.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
Lições
Finalmente olhar parindo ânimo, ícones reflexos. Povoara tela, competia ministrar. Texto branco, ditou frase qualquer. Logo perceberia teclado trôpego. Lição primeira.
Ensinou gramáticas e histórias. Aritméticas e ingleses. Tudo, menos o que aquela hora que não pagava dois maços. A caminho do bar, tomou decisões. Passaria fumar outra marca. Lição, última.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Exorcismo
Fechou as calças, embretou as fraldas da camisa. Realinhando o nó da gravata com uma das mãos, na outra abençoou:
— 'Tás livre do demônio, irmãzinha...
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Procura-se
Onde andarás, Porto Alegre?
N.A. — Neroy era um morador de rua demente que escrevia poemas a carvão nos tapumes de alguma construção e os assinava assim. Versavam sempre sobre o mesmo tema: faróis de automóveis. Não era agressivo e, quem prestasse atenção, veria por entre o descuido da sua aparência uma fisionomia aristocrática. Via-se, pela escrita, possuir cultura. Personagem da lenda urbana, conta uma versão tratar-se de um médico que enlouquecera após a morte da esposa. Dedico-lhe estas parcas linhas como forma de agradecimento pelas lições que, alheio, mo ensinou: do amor extremado, da sensibilidade acima da razão e da poesia que nem aos loucos abandona.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Sobre Ritmo e Sonoridade
Era uma vez uma banda. Quem assistisse aos desfiles, se admiraria com pompa e garbo do uniforme. Da harmonia e cadência encerrados na profusão dos dobrados. Jamais suspeitariam, entretanto, que rudimentares noções de ritmo resumir-se-iam a didáticos e nada ortodoxos versos:
caralhinho, caralhinho, bunda
caralhinho, caralhinho, bunda
a boceta não tem dente
mas aperta o pau da gente
caralhinho, caralhinho, bunda
caralhinho, caralhinho, bunda
toma limonada
pra cagar de madrugada
toma limonada
pra cagar de madrugada
caralhinho, caralhinho, bunda
Alvitrando escansioná-los, indômito futricar — e salvo maior autoridade presente ao recinto — chegaríamos a algo em torno disso:
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = verso jâmbico (eneassílabo com acentos na terceira, sexta e nona sílabas)
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = idem ao anterior
a /bo/ce/ta /não /tem /dente = verso heptassílabo
mas /a/per/ta o /pau /da /gente = idem ao anterior
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = verso jâmbico
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = idem ao anterior
to/ma li/mo/nada = verso pentassílabo
pra /ca/gar /de /ma/dru/gada = verso heptassílabo
to/ma li/mo/nada = verso pentassílabo
pra /ca/gar /de /ma/dru/gada = verso heptassílabo
caralhinho, caralhinho, bunda = verso jâmbico
A melodia executada pela banda visa florear a marcha. Em contrapartida, na cadência desta é que se dá o compasso da música. O que vai por aparente absurdo na disritmia encontrada acima, acomoda-se, harmoniosamente, no que abaixo segue. Por comodidade, ainda, vão abreviadas as notações da mesma, que irromperá ao pé esquerdo, locupletando-se no direito.
Taróis e surdos:
caralhím, caralhím
esq. dir. = dois tempos (compasso binário)
Bumbos:
bum dá
esq. dir. = idem
(repete a frase musical)
Bombardinos:
ábu cêta
esq. dir. = idem
náuntem dênte
esq. dir. = idem
mása pérta
esq. dir. = idem
opáu dagênte
esq. dir. = idem
Repique dos taróis, surdos e bumbos:
caralhím, caralhím
esq. dir. = idem
bum dá
esq. dir. = idem
(repete a frase musical)
Caixas, com esteiras de doze fios:
tôma limonáda
esq. dir. = idem
pracagá dimadrugáda
esq. dir. = idem
(repete a frase musical)
Finalização, por taróis e bumbos:
caralhím, caralhím
esq. dir. = idem
bum dá
esq. dir. = idem
Nos caralhinhos finais, o mor acenava a batuta, imediatamente firmando-a, por ambas as extremidades, paralelamente à fileira dos bumbos, e, na última sílaba da bunda, a recolhia até a linha da cintura, cessando, desta feita, por completo, o ruído dos instrumentos.
Evidentemente que há de se perquirir o leitor o que o cu teria a haver com as calças. Nada. Música é música, poesia é estilo literário. Tais pretensos versos visavam, tão unicamente, reproduzir, de forma onomatopéica, o som dos instrumentos e a ocorrência nos compassos musicais.
Se o ritmo musical foge à compreensão dita literária, pouco se importaria, com tais preceitos, a arte da harmonia sonora. Afinal, não é da poesia que se escrevem partituras. Ao contrário. O fenômeno musical, rico em colcheias, semicolcheias, fermatas, arpejos, alegros e pianíssimos, é que emprestará ou não, sonoridade a versos. Ouse empregá-la, por magistral, o poeta. Saiba extraí-la quem puder.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Nasce um Imperador
Recebidos em palácio, apressou-se majestoso e frugal repasto. O pulha-em-chefe observava negociações via eme-ésse-ene. Negativas, ultimatos, e meu alheamento lambuzado por um caqui. Seu polegar para baixo, meu dedo em riste. Tensão. Navios sucumbindo, apontei-lhe variedade achocolatada que bem se daria em tal reino. Nervosas, as matracas já não me perfurariam. Apontadas para o celestial, espocaram festivos augúrios.
Convocou ministro, oficializaram-me posseiro. Abri a valise, retirando três polpudas cuecas. Intrigado, hilarizou:
— Mas não é que és brasileiro?
Mandou mucamas contarem. Em risinhos, se incumbiram. Cada esvaziada, esbofeteavam-se pelo souvenir. Sexo implícito, crime explícito — eis as delícias de um conto.
A sonolência da volta não me conteve reler escritura. Inconformou-me aquele Ministério da I. e Comércio. Acorri ao corretor:
— Por que desta chancela abreviada?
— Problema é que eles não têm indústria. Copiaram, deu nisso.
Satisfeito, liguei para um maiâmico dealer, encomendando dúzias de embalagens nitrogenadas. Custavam menos que na fonte. De quebra, chegariam vermelhamente exultantes. Saborearia, assim, preliminares salvaguardas de estadista.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Ghost, do Outro Lado da Escrita
Urgia decidir, tratar-me. Expor síndromes e intenções a advogados e psicanalistas. A questão seria o quê com quem. Havia que definir. Ambos acabam faturando pelos dois lados. Por precaução, levaria uma parede, junto.
Aflorou-me, então, neurolinguística consciência: moralista está para moral, assim como jornalista está para jornal, como normalista para normal... para vaginal, vaginalista? De imediato ocorrem grotescas exceções: analista, articulista e paulista. Gosto da primeira, a segunda desprezo. Tornar-me-ia, finalmente, um santo. Quiçá, um coelho. Jarb Paul Iger, ou, simplesmente, JP. Nome sem origem. Sem classe. Sem gênero. Estaria, em mim, o terceiro segredo de Fátima.
Tudo arranjado, subornei o revisor e uma vírgula deu mote. Antes mesmo de rubricar o ato defenestrativo, o fórum, devidamente lubrificado, acoitaria bacanalistas petições. Os talagaços de sempre, acrescidos de assédio, mais danos outros. Três varas, de vez, num só buraco.
Aqui as coisas andam. Tão rápido que dá nem pra aproveitar a crise da Macy’s. O acordo forraria velhas cuecas com recentes cédulas cheirando a tequila.
Pergunto, e agora, JP?
Respondo. Fazer o que fazem caras bem sucedidas. Comprar uma ilha.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Diagnose
Vejo certo no errado
Do outro lado da vista
Tomando pulso caótico
Arrisco, cardiologista
Bradicárdico prognóstico
Se foi outra a simbiose
Escapa um drama psicótico
Fluindo por overdose
Impaciente me acalma
Uma gota por osmose
Umedecendo a alma
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Hitler Terminal
Estive, estes dias, com Adolfo, lá no bunker. Ele não estava nada bem. A revista Óia, tão ciosa quanto propaganda de cerveja, bavariá, exibira um intrincado diagnóstico. Seria algo em torno de quatrocentos e oitenta e cinco desvios de personalidade, segundo o Siguimundo. Ah, não vou entrar no mérito, mas paranóia, não! Pelo que me consta, era o baixinho quem botava mania. Hey, Hit, taí um verbo que combina com a tua farda: botar! Percebi uma faísca de aprovação.
Jogamos escova. Por delicadeza e prudência, entreguei o sete belo. Diplomático, me inteirara da preferência dele por naipes claros. Bebemos e não fumei. Ele não aspira fumaça. Diz não cair nas falácias hollywoodianas. Não é salutar, confidencia.
Exatamente às cinco, a senhorita Braun nos apresenta a um chá digestivo. Senta num mochinho e, bem namoradinha, fica ajeitando e alisando a franja daquela cara macilenta. Teria sido dela a idéia do bigodinho? Sabe como as mulheres são, quando querem desviar o foco de seus fetiches...
Súbito, ouve-se uma rajada:
— Halt! Halt! Halt! Halt! Halt! Halt! Halt! Halt! Halt! Halt! Halt! Halt!
“Não é nada” — acalma, fazendo sinal para um SS, que logo daria uma pancada nas costas do soldadinho, pondo um hunf! àquela sequência de halts. Adicionou que o infeliz precisava ser remanejado. "Distúrbios de confinamento" — fez muxoxo.
— Hit, não te incomoda legar uma memória tão, por assim dizer, assombrosa? — arrisquei.
Descendo a mão de cartas lentamente sobre a mesa, por alguns segundos me fixou.
— Du bist Jude, nein?
— Você é judeu, não? — refez, percebendo a dificuldade.
Não respondi nem que sim, nem que não. As pupilas foram sumindo e me atravessaram. Surpreendeu-me, então, num tom ameno, quase balbuciante:
— O que está feito, está feito. Nunca fiz mal sequer a uma mosca. Nem alemão eu sou.
Alguns dias depois caía o Reich, e o New York Times publicaria a matéria, logo abaixo do destaque dado ao sumiço do corpo. Fiquei puto com a mexida perpetrada pelo editor-chefe. Engendrou uma linha jamais proferida: "— Não me culpem por idolatrias, nem me acusem pelos excessos, se são vocês que duvidam da Ressurreição!".
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Leituras
Mas fora no balanço da sandália, perigosamente escorregando, até se deixar cair, que lhe espocou uma última gota e transbordou-se.
domingo, 18 de janeiro de 2009
Bonecas Violentadas
Sei que a coisa evoluiu e foi fazer ponto, com direito a programa, lá nos corredores da emissora. Ibope sempre dá muvuca. Vai que vai, surgiu suspeito. Delegado experto logo veria neguinho atrás de glória. As opiniões se dividiam. Uns querendo vingança, a turma do deixa disso só história. Que entraria, enfim, para a História — e fim.
Questão era que a vítima nem sabia falar. Já nascera traumatizada — escorchavam — a coitadinha.
Banho
Enquanto se despia, gemidos e sussurros ecoavam, impregnando. Abriu e a torrente desceu. Resvalando. Percorrendo. Lavava-se em volúpias, acariciando recônditos. Sutil piparote e a torneira reteve fluxo. Quereria aquela tepidez.
Ferveu-se nas espumas que avolumavam. Espalhou-se, concentrando: "— Caralho, porque não fazem sabonetes anatômicos?".
domingo, 11 de janeiro de 2009
Rali Gaza-Rocinha
As estatísticas da fidelidade digital filtram keffiehs do mal. Nas covas rasas, o descarte da inocência.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Sapatos
Rasputin em palácio, Booth ao teatro, piloto-de-onze-de-setembro, adentrou a loja. Mirou a balconista e disparou à queima-roupa: “– Me dê aqueles!”, apontando preto e reluzente par.
Ungiu-se por rei ao calçá-los e, coroa servida, reivindicou, com delicadeza, mote em banalidade qualquer – a alma a lhe exigir digno estojo – caixa intacta.
Saiu com o embrulho, imerso. Alegria permeada por estoicos relances. Ora a renúncia a partes da já minguada ração, ora as quentes noites dormidas sem ventilador. Dos instantes em que a vitrine fora ansiado espetáculo, dos dias que atravessara rua para não encará-la.
...
Chapinhou delírios nas poças armadilhadas por camuflante capim. Resvalou sonhos no barro endemoninhado, agarrando-se às solas, vomitando-se por cima do cromo. Derreou-se, por fim, de todas as ilusões, infectas e escoriadas por pés de um ônibus lotado.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
A Febre
Pensara acordar vizinho, mas fraquejaria. A impassibilidade naquele rosto lhe relanceou invulgar familiaridade. Já encharcado, queimava. O calendário, a santa ceia, a frigideira, um maço de macelas, tudo o que pendia das paredes se punha em ciranda. Buscando uma freqüência mais baixa, somente luzências ainda atravessariam os canais óticos. Do bule. Da velha panela. Da delicada pulseira dourada, no pulso da menina.
...
Marília o soube pelo jornal. A folga as quartas permitia ao mundo adentrar a pequenez do cômodo. Empilhando-se, fasciculado. Indômitos, os olhos recortavam. Ávidos pela crônica do existir, recaíam nas páginas da violência. Um nome arregalaria, palpitaria, lhe causando nó: "Encontrado Corpo de Homem Dentro de Casa. A polícia, alertada por vizinhos que sentiram forte cheiro e desconfiaram das luzes acesas por mais de três dias, compareceu à casa de Sebastião Alves, 51, na vila Nazareno. A porta da cozinha, escancarada, sem sinais de arrombamento, facilitou o acesso dos policiais. No piso, em decúbito dorsal, o cadáver ocultava profundo ferimento às costas.".
Lívida, mergulhou-se. Há quatorze anos separaram-se. Parira desgraça. Consumada em não diagnosticável doença. Fatal. Sentindo arrefecer o formigamento da fronte, continuaria: "Segundo o delegado Cléber, não há suspeitos. A Homicídios intensificará as investigações com base em pistas iniciais. A vítima, informou a perícia, segurava uma pulseira de ouro, daquelas com a plaqueta que grava o batismo de alguma criança.".
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
És Portuguesa, com Certeza
Gramático minimalista
Lusófonos tarados
Eis hiper-retro tacógrafo
Na autoestrada simplista
Dos buracos mal tapados
Temendo o trema às vistas
Liquefacientes linguistas
Caçam antirreformistas
Viva! ao editor que extorque
Com anticultura patética
Imprimindo dicionários
Resguarde-se à nova iorque
Consoante a neoestética
Tais virginais relicários
Nas escrituras da hora
Deem-se todos em paranoia
Ilustre-se o chão co'essa cera
Mais um pouco não demora
Da serpente fazerem jiboia
A maçã descendo à pera
Averigúe, pacata plateia
Cordial cordata à alcateia
Não veem brilhante a ideia?
Se acentua-se mal o leitor
Na feiura causando enjoo
De assentos que não se leem
Entra polo cu d'escritor
Um caralho em raso voo
Ai daqueles que não creem