domingo, 31 de agosto de 2008

À Margem Esquerda do Sena



Pele traveste cheiros. Mas este que dela exala é digital. Fixou-se.

Debruço-me num Courvoisier, enquanto a tarde arrulha. Vozerio interno, folhas de sombra e luz. Acenando, em mal-podadas bifurcações. Renoir, ah, Renoir, faltou-te alma. Não me contas do hoje, então cala.

Amanhã? Manhã ululante, gargarejarei obviedade.

Voulez vous plus de cognac, Monsieur? Um s’il vous plaît faísca no olhar que se levanta à solicitude. Se há coisa que admiro são almas adestradas.

Corre incongruente água. Ela, à margem esquerda do Sena. Do lado outro, afogo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Síndrome dos Ovos


                 Ao fritar um ovo, me acudiu repentina ilação: não compreendo certas medidas. Por que horas são contadas às dúzias? Mas não é perfeito o sistema decimal? Ah, não me venham com seus alfarrábios eruditos! certo, concordo que uma dezena de ovos, além de aumentar o número de sílabas e diminuir o sobreganho, não alcançaria esta subliminaridade associativa que empresta ao produto galináceo a concepção duodecimal. A embalagem estandardizada com dez unidades até ficaria mais simpática, mais portátil. Em contrapartida, com um olho no mercado single e outro na pobreza, as granjas teriam no design um torto problema para a meia-medida.

                 Refletindo profundamente nas elevadas questões gregorianas do calendário e sobre os convivas da Santa Ceia, voltei à frigideira para encaçapar o ovo da vez. Não pensem que é tão simples assim. Eu olho a caixa e ela me olha. São seis ovos contra cinco dedos. Escolho o do meio, na primeira fileira. Cada fritada lança novo desafio. Há que se manter simetria. Da próxima vez será o do meio, da fileira posterior. Depois, numa jogada sutil, desloco um dos remanescentes dianteiros para completar a linha da retaguarda. Aí fica fácil deduzir que na seguinte ocasião alguns passos serão repetidos.

                 Enquanto o ovo frita, sigo meditando: e se fossem somente cinco ovos? Num esforço otimista, visualizo um ovo em cada canto e um centralizado. Tudo bem, ainda tem jogo. De repente, pânico total: e se algum engraçadinho cismar que o padrão deva ser quatro? Tenho medo de reeleição...

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O Eclipse

Ressoaram as doze badaladas
No majestoso e soturno Salão
Bailavam as Donzelas mascaradas
Entre valsas d’Eterna Solidão

A Mãe-Terra fingia ser Madrasta
Ocultando cativa Cinderela
Sentenciou então o Rei-Sol: já basta!
E fugaz espreitou ‘inda mais bela

Ao átrio em que pendem candelabros
De cristais imitando Cassiopéias
Orquestram-se celestiais descalabros

Por instantes sorriram rutilantes
Meras pepitas presas às bateias
E a Lua rebrilhara aos amantes