terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Verbotrágico Ensaio para Insuflar Bolas Femininas

(escrito numa linguagem ‘acessível’, logo, sem chances de tradução para qualquer idioma)

                 A parada é o seguinte: os filósofos da geral, nada maneiros, mais pra manés, se cheiram com brilhos de quinta. Qualé dessa praia que é vida, se é do bem ou vacilão, ou ateu é o cu que não deu. Acaso se perguntam o porquê dos cabritos cagarem bolinhas de haxixe? Não. Não entendem da bosta, mas defecam nas cabeças. Cês sacaram que são 'os' filósofos? Que quando mulher se atreve, daí já é teoria literária? Pois, é.

                 O teólogo dedura a nota fria. Homem, falsificada estampa do Cara. Outro lasca que mulher tava escondida na ripa. Puta caô, x-9 gaúcho. Vá lá que seja e vem troco. Encheu-se o boi de guampa, condenado a perseguir a vaca. Pior, parido do bucho. O Cara teria inventado o garnisé. Em seguida, baixou-lhe a crista. Virou ovo. Antes que contestem, ovo não tem sexo, só pinto.

                 Se o macho se acha, metendo bronca no mundo, é a mulher quem veio causar. Cheia de curvas. Por vários lados. A dualidade feminina é quem comanda o tráfico no morro das intenções. Dona da vida, faz do homem soldadinho. Na outra ponta, vicia a precariedade. Mulher é corpo que acolhe. É templo ou bordel, deusa ou piranha. Confronto de forças. Ao homem cabe viajar. Na batatinha da escolha. Qualquer que seja, (as)pirará.

sábado, 27 de dezembro de 2008

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Tocata

                 Gérson era viúvo, apesar de uns dez anos a menos que o pai dela. Sócios no escritório de advocacia, encontravam-se, vez por semana, bem cedo. Acertos que não convinham à vista de outros. Talvez por respeito, ou por falta de família, era ele quem vinha. Acostumara-se àquele ritual que bem já se cumpria há uns dois anos.

                 De primeiro, nem ligava. Reunião de velhos. Melhor. Salvava-se um tempo para não ser xereteada nas fugidias entradas à Internet, espiar recados no Orkut, satisfazer o feminil do ego. De uns tempos para cá se alvoroçaria com as suas vindas. Não conseguia entender. Ridículo! Chegara a desenhar os nomes atravessando coração: Gérson e Daniela. Lendo-os, soaram Nélson Mandela. Que tosco! Riscou-os com raiva. Rasgou a folha. Picou-a em pedacinhos tais que nunca fossem mais juntados.

                 Era terça, dia de Gérson vir confabular. Espalhara livros e cadernos por cima da mesa de jantar, pretextando insuficiente a escrivaninha do quarto. Gostava de observar os movimentos daquelas mãos, o jeito com que dava uma batida seca na borda do cinzeiro e depois pousava o cigarro, suavidade e precisão a encaixar no descanso.

                 Numa outra, a mãe a chamara para o café. Teria que se trocar, vestir-se. Forjado descuido, colocaria somente bermudas, a blusa solta, deixando transparecer os seios quando atravessasse a sala. Sentiu um leve arrepio que não saberia distinguir se do frio matinal ou do flagrante.

                 Tijolos e telhas na mochila, a pressa atrasada, o ponto de ônibus se achegando, dissipavam. Encontraria Manú e já tititizariam sobre o garoto do último ano que seguia pouco mais à frente. De volta, subiria, direto, as escadas que davam para o quarto, sequer tomando conhecimento daquilo que rodeava. Mas depois de se gastar em livros e entediar-se com o MSN, apagaria a luz e o pensamento desceria. O pequeno cinzeiro prateado, que acomodava um só cigarro, se avolumava na mente. O cinzeiro de Gérson. Ninguém fumava naquela casa, portanto era dele. Só dele. Somente ele o tocava, o conspurcava com cinzas, o fazia tinir.

                 Ria-se do quanto diziam da feminina malícia. Atraíra, insinuante, as atenções do terceiranista. Ficaram. Quando as carícias escorregariam pelas nádegas, teve asco. Não que não desejasse. A precipitação só lhe fez recuar diante do imediato, do comum. Não se sentia envolvida. Num relance, veria as mãos de Gérson. Sentira-se menos que um cinzeiro. Um depósito de dejetos, abjetas intenções.

                 Cuidava não despertar suspeitas. Alternava a mesa de jantar nos dias e estancava-se no quarto na maior parte das terças. Era quando tirava os fones, se encostava ao marco da porta e fechava os olhos. Odiaria algum passarinho que ousasse piar. Odiaria sua mãe abrindo e fechando gaveta dos talheres. Odiaria o mundo. Tudo, enfim, que pudesse ensurdecer aquela alva mão com pelos castanhos, dedos definidamente másculos, unhas tão bem recortadas, a executar insólita melodia de nota e tempo únicos.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A Questão Limoeiro

                 Tenho-me por sociopata assumido. Ainda melhor, convicto. Árvores, não alcançaria jamais o clímax daquele roqueiro pederasta trepando com elas. Mas decerto que as prefiro. Desisto de corroborar com vivências psicanalíticas. Guardo tal peculiaridade com deferente egoísmo. Em tons do mais indissimulável sarcasmo.

                 Recém espaçado em nova choupana, me deparei com precariedades. Uma delas, absurda. Inexistiria área de serviço. Tomadas de decisões incumbem reflexão e havia um limoeiro implorando à porta. Esquelético, escroto, instando a estéril. O charlatanismo arquitetônico esboçado vazou-se para o real. Para a tangível dimensão. Direitos à suplicante, enfim, lhes resguardaria complacente telheiro.

                 Nada ou pouco conheço da arte agrícola, mas ouvira dizer sobre meses que não juntem a letra erre aos nomes. Quase no último, instrumentado com serrote, procedi às amputações. Posso resumir, imodesto, que plástica resultada confundiria especialistas.

                 Numa dessas madrugadas mal dormidas, que jogam o sujeito para fora da cama sem direito a sursis, me vi perambulando pelo pátio. Já não ardessem os olhos, ainda os incumbi de vistoria: se for pra foder com o dia, faça-se barba, cabelo et cetera. Juntar gravetinho, pedrinha, desenroscar folha morta encravada em galho, essas coisinhas que remetem a putarias da velhice. Porra, ainda estou esticando a segunda e a falta do maldito ronco já me pedindo terceira!

                 Fora desembaraçando uma dessas tais folhas, que engoliria a vulgaridade do verbo. O raquítico assomara corpo e, copado, resolveu travestir-se. Encheu-se de alegoria. Ofereceu-se, homocrômico. De espinheiro à árvore natalina.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Assim Caminha a Mediocridade

Espelho, Espelho meu
Haveria quem se desse
Ao Crivo do que apetece
Recitar-se em Apogeu?

Acaso não sou Toada
Que encerra com leveza
Ao Bardo alçando a beleza
D'uma Verve amadurada?

Fulgura a Alma italiana
Na Saga shakespeariana
Às Flores de Baudelaire

Instilo ao mais fino Vinho
Bebo-me sem burburinho
Não me Assine um qualquer

...

[Pobre do Pavão
Não voa com Andorinhas
Nem vê seu Garrão]

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Casais

                 A excursão partira pontualmente à meia-noite. Apesar da chuva, os passageiros, boa parte casais, mantinham-se animados. Percurso conhecido, noite mal ou pouco dormida teria compensações num auspicioso café ao imponente hotel. O balanço da suspensão a ar e o acirramento dos pingos minavam resistências. Aos poucos, luzes individuais foram se apagando. Sem mais atenções a dispensar, cruzei cuidadosamente o corredor e me aboletei na cabina.

                 Viegas já se conformara. Teria parceria por, no máximo, uns trezentos quilômetros ou uns cinco cigarros. A boléia era camarim. Lá, me permitia despojar das conveniências de guia e usufruir privilegiada visão, adjudicando-se permissividade: fumar.

                 Rodávamos perto de uma hora e passar uma flanela úmida no pára-brisa que condensava era um mínimo gesto de cordialidade. Enquanto o fazia, não percebi que engatava-se um luzidio trem vermelho. Repentina redução de marcha me trouxe à estrada. Passamos ser mais uma conta daquele imenso colar. Três minutos, cinco... Dez e nada. Acidente. Resolvi olhar os passageiros, transmitir.

                 Ao cabo de meia hora decido colher alguma informação. Uma jaqueta de náilon e um boné improvisariam proteção. Viegas adivinhara. Morte no choque frontal entre dois automóveis. Voltei aos passageiros e amenizei a tragédia. Quase em uma hora a estrada daria os primeiros lentos sinais. Ao lado, cercado por patrulheiros e curiosos, jazia um dos carros.

                 Chegou-se em Piratuba ainda no horário habitual para o café. O esplêndido raiar predispunha dissipar alguma desvirtuada impressão. Ainda pela manhã seguimos para o parque das águas. A tarde aconteceria solta, modorrenta. Curtir o hotel, dormir, conhecer o lugarejo, jogar boliche. À noite, até baile fora descolado.

                 Enquanto observava ou atendia solicitações, me veio imagem da bem-querida. Os casais, em grupos ou mais reservados, estavam bem. Bem-humorados. Alegres e felizes. Quem os visse estimaria as bodas sucedidas. O desastre fora comum. Chuva, imprudência, alguma bebida, talvez. Nunca ouviriam por mim que, no banco de trás do Chevette, esparralhara-se um vestido de noiva.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Leve Um, Pago Nove

                 Maratonista
                 Um passo além das pernas lhe daria a vitória.

                 Ideal
                 Livre. Mas não radical.

                 Previsão
                 Em meio à chuva, um sabiá cantou sol.

                 Tenistas
                 Uma rede de intrigas os separava.

                 Corrida Eletrizante
                 O circuito era curto, daí tantos choques.

                 Autodomínio
                 Conteve o dedo acusador com o polegar.

                 Sílaba Atômica
                 Fu...

                 Vista Plana
                 Ainda acho que a menor distância entre dois pontos é o beijo — gabou-se o chefão.

                 Temperaturas
                 A vingança é um prato que se come frio — meditou o bóia-fria, espiando a gaveta.

                 Nos anais da História...
                 Ainda no século XXI derrubava árvores para limpar-se.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

IIIWW ou Quase

                 Há tempos instalara-se o caos. A home sweet home azedara. Divisões e mais divisões panzer da Alesmânia invadindo pelas soleiras, assinalando visguentos rastros. Soturnas, ao descuido do passo, minando campo. Bem treinados, mas solitários soldados, Grambretaranha espraiara redes de camuflagem pelas orlas do teto. Abatia barões vermelhos e outras cores menos hábeis. Dançando ventres, dragoas-china faziam subir e descer paredes. Casa-da-mãe-Joana, todo um submundo querendo naco.

                 Havia que defender território. Limpar. Convocou-se reunião de gabinete e monitor. Pauta em tela, apertavam-se, entre si, as mesmas teclas. O sinistro da economia calcara déficit. Deterioradas, relações exteriores não alçariam voz. Brado mais alto à saúde: prolongado discurso, vociferou eugenia — a beligerância imputaria preço.

                 Ajuda externa não tardou. Em cena, metaldeídos, piretrinas e piretróides, armas químicas de destruição em rolinhos*. A inhaca do Inhaque, mentira o Imperador, pressionando via tevê. Desviamos esse canal. Tentaria, ainda, panfletar jornal; embrulhamo-lo. Mandou um sabiá-ônu aninhar estratégico limoeiro e, pacíficas intenções, meter bico onde não chamado. De quebra, expôs minhocas, defecando-se, pretenso, em adubo.

                 Armara-se o teatro das operações. Os tanques se empanzinavam com iscas e estouravam. Rechaçado o contingente bretão, sossegou prostituída procissão de lagartixas. Havia ainda que resolver questão do craque das madeiras certificadas reduzindo-se a pó. Mas isto são questões do forro íntimo, políticas bem mais internas.

                 Passada a vassoura do pós-guerra, banhou-se corpo e alma em águas de convicções. Farda-de-gala investida, hora era inverter cenário. Antes presa, já predador, à farra instituída. À civilizada forra. É bárbaro assaltar baladas e estuprar biscates. Arrastá-las para um bem limpinho chalé e celebrar a paz.

*expressão descaradamente chupada ao camarada Zé Alencastro, único e veríssimo alto astral com quem me deparei no trottoir da vida, quando lá nos idos de 1979 se referia ao nosso Inter: “... ataca em massa e se defende em rolinhos".

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Um Tilintar e Dois Rangidos

 Me preparava para copular azul a sereia-de-piscina, quando vago sonido de campainha, de celular, ou sei lá do que, tointointointoim... 

... pempempempem, ponta de chave batendo no metal era.

Zonzo, pau-duro, sem saber para qual lado da cama, catando chinelos, bermudas, saltei. Voz de boca-colada, grunhi um "peraí, já vai!", indo desaguar o amarelo, mijado com escassa pontaria, na brancura do vale de louça.

O vidro canelado da porta refrangia mosaico de formas deliciosamente conhecidas. Taquicardíaco, apressei abri-la. Aquele rangido me alcaguetava. À vizinhança. E à gatunagem. O código é mais ou menos assim: um rangido, ele acordou; um rangido e tilintar da corrente do portão, foi comprar cigarros; dois rangidos e o tilintar, foi à lan; dois rangidos e duplo tilintar: ladrões, a postos!

– Queria incomodar, não. Desculpe.

– Capaz! Tinha, mesmo, que...

Flagrantemente apressurado, tentando imitar calma, e ela, ali, mal sabendo-se a sereia da piscina. Ou totalmente sabendo. Claro que sabia...

Afastei cadeira da mesa, sentou-se.

– Passar um pretinho pra nós.

– Pra ti.

Merda, não curo essa imprestável prestimosidade! Ela detestava café.

– Sei. Mas tem suco, aí na geladeira.

– Tá bom. Quero nada, não. Só vim testar as chaves.

Antes que imbecilidade assumisse, voei para o rádio, olhar me rondando. Por mais que tentasse acompanhar pensamentos, a câmera era lenta. Quarto inundado por Elis entoando Black is Beautiful, delicadamente escamei seu vestido.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Minha Rua Não Tem Palmeiras


Foto: Alisson Fernandes

Minha rua é socialista. Quando chove, há barro para todos. Lá, a democracia é totalitária. Quiseram calçá-la, base de rateio. Uns poucos declinaram, continuou crua. Ideologicamente, prefiro. Seria brindar incapacidades.

Na minha rua, economia imita globalização e autossustentabilidade. Tem Paulinho, que apara mato, colore grade, maquia muro. Iara pergunta hora e cronometra salgado quente aos aniversários. Caia fundo de churrasqueira, Rogério improvisará lata. Puxadinho é com o Gérson: cerveja servida, barateia mão-de-obra, afina acabamento. Coelho limpa carburador, põe ponto ao motor. Depois, divide birita e costela. Compradas com os caraminguás do socorro. A mulher lava pra vizinha defronte. Sem pudor nem preconceito. Necessidade. Nem a coleta do lixo é discriminada. Mesmo assim, garrafas vão separadas. Retornam com detergente. Feito por lá. Procedência se conhece, nota faltará. Política, a rua dispensa: Estado não cumpre, não interfira.

Rua minha é solidária. Kombi de Paulo faz ambulância e mula. Viajar é deixar chave-da-casa com vizinho. Pátio assume estacionamento alternativo: guarda carro de garagem reformada, de genro fugindo do sogro e do filho que empreendeu picaretear. A Titica é de todos e de ninguém. Só ameaça, não crava. Acostumou-se ao relento, renega abrigo. Vigia o pedaço e acua jaguara que se atreva. A rua lhe dá sustento.

Quem não mais comparece é chimarrão-beira-de-calçada do Valdir. Morreu, povo da rua enterrou. Não me animo substituí-lo. Faço, então, só distribuir limões-bergamota. Que se dão às pencas. Declaro parte nesse quinhão que nem é posse.

Minha rua não tem palmeiras. Mas, na hora do Angelus, piam aves-marias.


sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Uma Ilusão Chamada Obama

                 Mudança — batido mote. Acadêmico, Barack arregimentaria aluviões. Em torno do lacônico. Seguem, silentes, retóricas indagações. Não me atreveria a formulá-las. Por catedráticas, também esguelhar-se-iam as respostas. Urdido gabarito.

                 Nas telas, o pincel esboçava borrões. Planos de saúde, bônus de cinco mil dólares, hipotecas. Ninharias. Quais capitão pirata regala tripulação, pós bem sucedido saque. Imitaram pintores outros. Aqueles que pouco se dão com arte e deixam transparecer cruezas do canvas. Óleo ressentido a Talibã e jovens soldados mortos.

                 Messiânico, o discurso nunca omitiu. Nem permitiu. Minimamente enviesado a McCain. Ambos desfiando vicissitudes. Da classe média americana. Do Norte — complementaria bucéfalo daqui.

                 Dissipada ufania, muda batuta — e só. Poder econômico é que há de sustentar moral política. No alvo, a autossuficiência energética permanece visível: mapa de areia.

                 Obama quer conversar, mas monologa. Belicoso solilóquio despejado via satélite. Quem não quer conversa é o Oriente Médio — dirá.

                 A casa não é senzala. É branca.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Bruxa

Que nome perfeito
tem até cinco letras

Nem tentes
me inscrever
ao teu Pentagrama

Pois do meu
sobra uma

E ao Amor
falta

sábado, 25 de outubro de 2008

Exercício Para Um Não

Sexta-feira, prédio evacuado. Sala em penumbra, a janela hipnotiza. Do poste pende feixe misturando azuis, verdes e sombras. Paisagem muda. Fina, a garoa se agarra aos fios, cristalizando gotas. Vão se enfileirando, vão se empurrando. Até o trem despencar.

Seduzido por movimentos sutis nesse notívago vazio, rosto parece querer trespassar vidro. Nódoas embaciadas, preguiça e desalento. Cheirando a carpete-mogno-alcatrão. Bastaria mínima atitude, descer degraus, abrir porta de carro, ligar motor. Não. Essa expectativa do que não será ou do que é mas poderia não ser só exerce fascínio, por inevitável, sendo sadomasoquista.

Não. Hoje, não.

domingo, 19 de outubro de 2008

Nota de Engrandecimento

                 O Movimento de Proteção aos Animais Vítimas de Seqüestro vem, a público, enaltecer o denodo, a perseverança, o preparo e a sabedoria demonstrados pelos atores da segurança pública na condução das ações e na subseqüente bem-sucedida resolução.

                 Mês das Crianças, 2008

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

À Nave Espacial

Oh Nave, Nave Espacial
Perdoa o nosso mal
Se fomos ao fundo do poço
Em falso pecado original
Deverias saber, afinal
Que somos mais carne que osso

O que será desta vez?
Um milharal? Um canavial?
Ou a floresta de cannabis?
Ah, minha cara Nave Espacial
Abduzo-me na embriaguez
Se bem ou mal e assim o sabes
Hás de mo dizer quo vadis

Ao teu bento nome Alabama
McCain daria tanto poder?
Obama, Osama ou quem chama
Navegas ou desandas beber?

Teu destino é outro portal
É mais pra lá de Bagdah
Pras bandas do Afeganistão
Segue, pois, luz ancestral
E não confundas esta barba
Co'aquela do Bin-de-plantão

Em paz, me deixe, por fim
Com meus parcos contatos
Da bodega ao botequim
Ou do truncado eme-esse-ene
Se não te pareço celestial
Descuidando demais imediatos
Vivência que vai trivial
Porquanto me baste é perene

Desculpe-me se não combino
Os triângulos das bermudas
Com redundâncias popozudas
No desalinho do prêt-à-porter
Malgrado pobre figurino
Faça concupiscente moda
Mentes bundalizadas em roda
Que vistam a moral do ET

domingo, 12 de outubro de 2008

O Massa é Massa

                 Compensou desrespeitar horário para espiar Fórmula Um na madrugada das crianças. Felipe ganhou? Não. Pontuou mais que Hamilton? Não, também. Mas, então, o que teria assim valido, afinal? Posso responder, sem me arrepender: um ponto.

                 Limiar de campeonato escancara. Contam-se duas provas. Sete pontos diminuiriam Massa do bom moço britânico.

                 Início do certame, pole Lewis, mui distante da fleuma, pleiboizinho, vacila. Punição. Felipe, por vez, força curva e comete a sua. Punição.

                 Prova anda, estandarte espanhol acenando. Quem fora primeiro, décimo-terceiro. Nosso cavaleiro, uma antes. Felipe esporeia, dá de banda, atropela cocheira, raspa cerca. A bazófia do asfalto vai calando-se com a borracha daquela gana vermelha. No derradeiro da campanha, arremete lança, confiscando único e possível ponto — honraria as armas quais empunha. Lewis, zerado, fica para o chá das cinco.

                 O torneio culminará em raia brasileira. Pode dar não certo e quebrar pata e romper sela e bicho adoecer e o que mais queira infausta sorte. Contudo, podemos encher boca e suprir timidez de narrador: — Sai da frente que lá vem Massa!

                 Cumpra-se, por fim, paradigma, e da aceleração do Massa que resulte esse F.

sábado, 11 de outubro de 2008

Orchukrut mit Wurst und Kartoffel

                 Entre pasmos e espasmos, insustentável leveza levou. Sublimaram bytes, pixels & twips (isto bem batizaria uma banda indie), para lugar nenhum. Para todo lo siempre.

                 Saudades restam. Ou alívio. Enquadro-me na segunda, pois que há muito só encher lingüiças, mesmo, perfazia. Assola-me Chronos, rastejo absolvição. Inexorável remédio, a cronicidade curou perceber ramas quais prenhes batatinhas ainda espalhariam ao solo.

                 ...

                 Sento-me à mesa mesma. Fixo ao cardápio, um post-it alerta prato-do-dia: "Sauerkraut mit Wurst und Kartoffel". Premendo olhos, aspiro última baforada e, rindo sozinho, descarto guimba porta afora. Pois não é que aquela mesma alma adestrada, lá da banda direita do Sena, adivinhara meu Underberg? Num arrastado sotaque dídero-nietzschiano, arremeda:

                 — Patades frides?

                 Escárnio ao cardápio, em desvão, assinto.

                 ...

                 Ah, a propósito — e para quem ainda nem desconfiava — o tal chukrut é feito do repolho na sua primordial decomposição. Tal requinte também se empresta a afamado filé, lá da terrinha dos gauleses. Nada de novo na barbárie, portanto.

sábado, 13 de setembro de 2008

Logarritmia

Não me trago naquelas mantissas
Daquelas infaustas margaridas
Das sorumbáticas desnutridas
Ou de mais verossímeis clarissas

Desvio os padrões do consumo
Desencantando qualquer quântico
Algarismado nó semântico
Numa rima sem remo nem rumo

Minh'álgebra lírica resvala
Invariavelmente atribuída
Ao lissencéfalo da escala

Ah, e me perdoem a sintaxe
Culpa da ótica mal-resolvida
Se 'tou mais pra lá de paralaxe

domingo, 31 de agosto de 2008

À Margem Esquerda do Sena



Pele traveste cheiros. Mas este que dela exala é digital. Fixou-se.

Debruço-me num Courvoisier, enquanto a tarde arrulha. Vozerio interno, folhas de sombra e luz. Acenando, em mal-podadas bifurcações. Renoir, ah, Renoir, faltou-te alma. Não me contas do hoje, então cala.

Amanhã? Manhã ululante, gargarejarei obviedade.

Voulez vous plus de cognac, Monsieur? Um s’il vous plaît faísca no olhar que se levanta à solicitude. Se há coisa que admiro são almas adestradas.

Corre incongruente água. Ela, à margem esquerda do Sena. Do lado outro, afogo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Síndrome dos Ovos


                 Ao fritar um ovo, me acudiu repentina ilação: não compreendo certas medidas. Por que horas são contadas às dúzias? Mas não é perfeito o sistema decimal? Ah, não me venham com seus alfarrábios eruditos! certo, concordo que uma dezena de ovos, além de aumentar o número de sílabas e diminuir o sobreganho, não alcançaria esta subliminaridade associativa que empresta ao produto galináceo a concepção duodecimal. A embalagem estandardizada com dez unidades até ficaria mais simpática, mais portátil. Em contrapartida, com um olho no mercado single e outro na pobreza, as granjas teriam no design um torto problema para a meia-medida.

                 Refletindo profundamente nas elevadas questões gregorianas do calendário e sobre os convivas da Santa Ceia, voltei à frigideira para encaçapar o ovo da vez. Não pensem que é tão simples assim. Eu olho a caixa e ela me olha. São seis ovos contra cinco dedos. Escolho o do meio, na primeira fileira. Cada fritada lança novo desafio. Há que se manter simetria. Da próxima vez será o do meio, da fileira posterior. Depois, numa jogada sutil, desloco um dos remanescentes dianteiros para completar a linha da retaguarda. Aí fica fácil deduzir que na seguinte ocasião alguns passos serão repetidos.

                 Enquanto o ovo frita, sigo meditando: e se fossem somente cinco ovos? Num esforço otimista, visualizo um ovo em cada canto e um centralizado. Tudo bem, ainda tem jogo. De repente, pânico total: e se algum engraçadinho cismar que o padrão deva ser quatro? Tenho medo de reeleição...

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O Eclipse

Ressoaram as doze badaladas
No majestoso e soturno Salão
Bailavam as Donzelas mascaradas
Entre valsas d’Eterna Solidão

A Mãe-Terra fingia ser Madrasta
Ocultando cativa Cinderela
Sentenciou então o Rei-Sol: já basta!
E fugaz espreitou ‘inda mais bela

Ao átrio em que pendem candelabros
De cristais imitando Cassiopéias
Orquestram-se celestiais descalabros

Por instantes sorriram rutilantes
Meras pepitas presas às bateias
E a Lua rebrilhara aos amantes

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Monólogo de uma Obsessão


La chambre à Arles (1889) - Vincent Willem van Gogh

Qua Resurget Ex Favilla
(Quando, das cinzas, erguer-se-á)

Desencontrados pensamentos, miríades espectrais, desfilando sob mozartiano réquiem. Sussurrando dislexias semânticas. Fustigando-me. Ajuntando-se. Abduzindo-me deste mundo, deste tempo.

Toma-me, intimorato, o torpor, um febril torpor. Sinestésica subversão que remete, vez única, a calabouços, penumbras e miasmas. Quais inquietantes tintas derramadas por alhures penas. Sangue esvaído, drenada vitalidade, dissociando alma.

Basta! Tampo ouvidos a não mais escutá-las. No divórcio dessas letras, cabe-me, tão somente, reconciliação ao catre. Fétido catre impregnado, fumaça e alcatrão. Possa, assim, curar pústulas, fístulas, exantemas. Ou imprecar-me, judicandus homo reus, ao cinéreo adormecer.



terça-feira, 1 de abril de 2008

Nuances

 A brisa sopra leve trazendo através da janela entreaberta os matizes do capim orvalhado. Estranhamente, os sabiás estão silentes e gosto. Não que desejasse alijá-los do seu natural chilrear, mas, no exato momento, este macularia o nirvana. Percebo que a paz não é o equilíbrio das forças ou a harmonia das ideias, ou, ainda, o rejubilo das emoções. Não é nada disso. A paz é justamente o contrário, a anulação de qualquer força, um livre pensar que não impõe, a total ausência do sentir. A paz, enfim, é um estado de absoluta ausência.


Desliguei há pouco o televisor onde o apresentador do telejornal narrava, abastecido de imagens, que a polícia atirara bombas contra torcedores de futebol e concluía ironicamente que aqueles arruaceiros, elementos despreparados para um convívio social, seriam no futuro nossos governantes. Não pertenço a este mundo. Aliás, nada mais em mim pertence. Nem o meu corpo à minha alma, nem tampouco esta ao meu corpo. Estou a cada dia mais etéreo. E começo a entender que em breve me dissiparei. Ainda assim, num contrassenso, insisto em romper a paz e permitir que um fino traço esboroe em imaginárias palavras as tuas nuances.

domingo, 16 de março de 2008

Simples


É tão simples meu Amor
Como pétalas de gerânio
Vai e vem, doce sabor
Me tomando, momentâneo

Não há heroísmo nem lenda
Só um andar de mãos-dadas
Nos campos de uma fazenda
A esmo, horas não contadas

É tão simples meu Amor
Só quero o teu regaço
E absorver teu calor
No conforto de um abraço

Não há volúpia nem sedução
Não há tristeza nem dor
Não se decante, pois, a paixão
Se é tão simples esse Amor...

quinta-feira, 13 de março de 2008

O Fantasma


"Absinto! Absinto!"
William Shakespeare, Hamlet

A perfídia se instala
Na traição conspirada
Envenena a voz que cala
Em lascívia conspurcada

O festim faz seu tributo
Afrontando vil ao mármore
Qual mão que obtém o fruto
E depois abate a árvore

D'além, inaudíveis gritos
Estertor d'alma penada
Clamando, varam granitos
A paz na honra lavada

Cobre-se paixão incúria
Sob o manto da falseta
O viço da rosa espúria
Tem espinhos de vendeta

Maldição recai em fúria
Saciando o ectoplasma
Pois nem força de centúria
Bate a sombra d'um fantasma