sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Barbas por Barbas...

                 É, o mundo tá mudado, carecendo. Dessa vez, os filosóficos fiapos faciais ficaram mais tempo de molho na sopa de letrinhas, até que me acudisse o brilho. Teria que me despojar, me entregar ao sacrifício. Se o pseudolúrgico, lá, é rampeiro, porque devo não sê-lo, agora e aqui? Pois assim foi, garfando o Ce, o A e o Ene, que ornei a borda do prato com primeira sílaba de poderoso verbo. Sucedeu-se o DIDATO, com a naturalidade singular de metápodes.

                 Antes que os vapores subissem por linhas tortas, condensei o programa de governo no verso da propaganda das máscaras, essas tais que lavam as mãos em álcool-gel.

                 Habitação
                 As favelas transformar-se-ão em gigantescos condomínios fechados. De luxo. Cada unidade domiciliar receberá verba do PAC para satisfazer os devidos ajustes. Se a grana não vier? Simples: pac, pac, pac em quem não a envia.

                 Autossustentabilidade
                 Hortas comunitárias, com esforçado acompanhamento técnico. Privilegiar-se-á o cultivo de espécimes nobres, tais como a cannabis, a papoula e a coca. Pra que importar, se podemos ser autossuficientes? Nesta fórmula, buscar-se-á uma melhor distribuição da renda, desde as atividades primárias até o refino.

                 Saúde Pública
                 Cada grande condomínio terá seu nosocômio. Nada mais salutar do que a pureza das alturas. Podemos bem administrar o superfaturamento da obra, combinado ao subfaturamento do autor. Remédio há de não faltar. Nem preço a pagar, naquilo que chamar-se-á, legitimamente, drogaria popular.

                 Segurança e Justiça
                 As comunidades contarão com guaritas ocupadas por experimentados guerreiros, munidos de qualquer-coisa-antiaérea, uma vez que o que vem de baixo nem mesmo arranhe, e coletes à prova de bala, serigrafados com a griffe da facção, indicando quem dá o tom nessa balada. Será banido o exercício da advocacia, abominável prática da remessa de numerário aos rivais do Supremo. Os julgamentos serão sumários, sumérios e sumírios, com direito à incineração.

                 Educação E Cultura
                 Nos espaços contíguos às casas de saúde, erigir-se-ão complexos educacionais, visando à economia do transporte, em caso de punição a professores que ousem cercear a liberdade de expressão. O projeto será provido de quadras para a prática do futebol e do esqueitismo, salvaguardado o privilégio da utilização, quando assim entenderem por necessária, às agremiações carnavalescas. Ainda, no interesse da formação profissionalizante, área haverá destinada à linha-de-tiro para livre iniciação. O currículo escolar ficará desobrigado ao ensino da língua portuguesa, haja vista o alto índice de reprovação que se lhe tem reputado e do seu inócuo e inservível proveito prático.

                 Penso que dois buracos com tacada única possamos, assim, acertar: deslindar a intrincada equação do que venha a contemplar o mais amplo senso do bem-comum, sob a concepção de inequívoca verdade, já auspiciando momento histórico, em qual se registre o resgate da mais autêntica das lideranças. Partido, depois inventamos. Tem uma sigla que vive se insinuando à fugaz inspiração: PCC. Mas, de pronto, já temos lema: "Barbas por barbas, vote no Jarbas".

domingo, 16 de agosto de 2009

Pra Depois

Ah, não adianta
Teu corpo gramaticar
Num esforço alveolar
Se a verve já levanta
Se o sangue já estanca
Na cavidade cavernosa
Versos galgando a prosa
Da musa feita potranca

Vou deixar o lirismo
O açúcar com canela
A palavra que só fela
O arroz-deleite, se cismo
Que essa barra ainda aguenta
Acrobacias sem nexo
Que fiquem as dores do sexo
Quiçá, pra depois dos setenta

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Divina Invisibilidade dos Anjos

                 As lides cibernéticas escassearam e tenho andado acordando mais cedo, vendo o sol triscar o horizonte. Poesia do amanhecer, lenta agonia do fenecer.

                 Deparei-me com o sabiá estufando o peito alaranjado, de frente pro holofote, num galho caduco do segundo andar do cinamomo. Fitou-me, talvez desejando bicar o chimarrão, que nem bebo. Depois, veio outro. Pulou no pilar do muro e cruzou a fronteira, indo parar, acintosamente, um andar acima.

                 Cismei com aquela mobilidade, que independe da cotação do dólar ou da gripe suína para alcançar espaços cada vez mais longínquos. Que não faz check-in, nem aquele barulho chato de boiada se embretando pelos fingers. Que não fica catando o movimento das comissárias, tentando adivinhar a minhoquinha que será servida, enquanto turbulências sacodem triplos poleiros.

                 Pudera ser você, canoro penugento, e migrar sem compromisso. Voar solo, de dez em dez minutos, atravessar rios sem usar pontes, beliscar pitangas e me saciar com gotas. Leve, econômico. Quase livre.

                 Os pássaros sumiram. Ao alcance dessa curta visão, restou um corpo acabrunhado. Que absurdo! Dá nem pra imaginar essa carcaça alada. Ridículo!

                 Estatelei-me na realidade. Compreendendo, de vez, a divina invisibilidade dos anjos, acendi um cigarro e fui procurar promoções na Internet.