sábado, 27 de março de 2010

Coisas da Tevê

                 Interessadíssimo no resultado da peleia¹ Estado versus Casal Nardoni, corri os canais quando ouvi anunciarem o áudio da prolação final. Posso testemunhar que, enquanto a Band iniciou-o, as outras estações ainda ficariam, por um bom tempo — ri — chupando bala.

                 Entrementes, de tudo se via. Até repórter novata pagando microfone para empedernido comentarista. Da mesma emissora. Que antes, estivera a campo, tão roto de afazeres quanto ela, catando sensacionalismos. Não há mais com que se encher tanta morcilha². Ri, de novo.

                 Também me foi dado flagrar, quando despertaram as demais dos seus vacilos, um delay entre a Record e o SBT, tempo suficiente para que um corpo caísse numa e, ainda, se pudessem ouvir, na última, os estampidos.

                 Essas relatividades um pouco que me assustam, quando, por exemplo, a promotoria se sustenta em tese balaustrada nas frações incertas de uma tal linha do tempo. De onde a Perícia teria recuperado os registros que terminariam por fulminar os réus? Das operadoras particulares de telefonia, permissionárias do Executivo? Da Anatel, cujo mandatário é nomeado por um sujeito que se subleva às determinações do TCU? Afinal, quem me garante a probidade nesse ajuste de ponteiros?

                 Sábia reflexão foi a do defensor, quando aventou que o clamor popular poderá, um dia, estar sentado no mesmo lugar dos Nardoni, sofrendo idêntica inclemência.

                 A incandescência televisiva seduziu, inclusive, o magistrado, que se aventurou, ao menos, ecoar em rede. Claro que não feriu o recato, a discrição, nem o decoro para com o trato processual e jurídico. Mas deixaria escapar pessoal impressão, onde, por duas vezes, apontou desvios psicológicos em um dos réus. Vai que a defensoria queira incluí-la nos recursos... Que chato, êim, Senhor Juiz?

                 O espalhafato reserva tocante cena final, com o telecóptero³ da Record enviando imagens de lampadinhas vermelhas escoltando camburões, por algum tempo dos quilômetros que separarão a quizila do ostracismo.

                 Cometa-se, urgentemente, outra hediondez. Povo adora maquetes.

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¹Variação para peleja.
²Variação para morcela (morcella).
³Neologismo, à revelia.


terça-feira, 16 de março de 2010

Vidância

                 Olhei para o varal e as sinapses me enganaram. De novo, desafiando a erudição germânica, as colunas da Hélade e demais consagrações acadêmicas. A pita de aço revestida de plástico nascia de um dos caibros do telheiro da areazinha, indo morrer no estuque branco da casa dos fundos. O coração, peça fundamental em qualquer esforço, de quando em vez necessitava transplante, pois que taquaras também não são eternas. Creiam-me, corações não são órgãos interesseiros. Calunia-os quem os vê atraídos por airosas calcinhas, quando, malfadados, resistem à pressão de algum macacão encharcado. Por minha culpa ou êxito, este aí passa, a maior parte, vazio de obrigações.

                 Então a vida se traduz por um fio pairando ao nível estabilizado? Sinto esvaziá-los de esperanças, mas esta é a mais pura inverdade. Peço que não mirem seus trapos oscilando ao vento, pois irão incorrer na presunção de que admiram seus efêmeros estandartes. Ah, você dirá, mas no meu até colibris pousam! Ah, direi eu, é sagaz a natureza que defeca com tanta sutileza.

                 Apegando-me a este mote, recordei formigas em travessia. Não é maravilhosa a existência que serve, involuntariamente, a outras? Ora, esses serezinhos praguejantes e pelados, que nada mais fazem do que preservar a espécie... Muito indefinido, isso.

                 Convicto das bases da reengenharia, estendi a nota ao guichê. Vestindo apenas os mais velhos e descartáveis lábaros, conferi o destino impresso no resultado da permuta. Calma, Taquara, são só mais alguns passos até o boxe de partida! Na valise? Protetor solar, mel-conhaque-ervas finas e muitos frascos de repelente de muriçocas — herança da bestialidade racional. Ah, claro, dependurado ao pescoço, um desses acessórios incumbidos de carregar essencialidades cívicas.

                 Desci os degraus que aportavam à praia do Pinho e já tabuletas indicavam, com imprecisa decisão, meu rumo. Extasiado com a leveza do não ser, nem assimilei que, logo à primeira choupana, se desfraldava, em boas-vindas, uma toalha de banho.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Xã e Rêitxel

                 Nunca aconteceu com vocês? Pois comigo é frequente. Vão se materializando. Tomando formas, cores, trejeitos... voz. Sem uma ação específica. Com nenhuma finalidade. Apenas personagens.

                 Foi o caso de Rêitxel e Xã. Simplesmente aprimeiraram-se no plano, num cenário desfocado. Americanizados, iidichezados e oliudizados, bem como convém àquela indústria de conservas.

                 Sim, minhas personagens são atrevidas. Suas altas autoestimas desdenham do preto e branco. Querem-se em volúpias cenográficas, longe do substrato que alimenta traças.

                 Rêitxel não é uma ruiva qualquer. Há algo de latino em sua pele, que desafiará os puristas. Seu par é um doce assassino — se é que podemos glicosar a morte. Mal sabe ela que este parceiro é um sórdido Big Brother abocanhador de Oscars.

                 Ah, diante desta insigne menção, as personagens evaporaram. Deixaram-me órfão de pai e mãe. Poxa, Lula, por que você não foi lá defender o melhor filme estrangeiro?

terça-feira, 2 de março de 2010

Vancouveria

                 Acabou-se a olimpíada dos ricos e esnobes. O demagógico discurso final por muito pouco não me contempla, já que executei um quadruple toe nas antenas da tevê, até discernir flocos de chuvisco.

                 Vão e vêm jogos, e, nesses comitês, é sempre a mesma velharia com seus sorrisinhos sonolentos em semblantes pedófilos. Um zunido neurônico me faz supor fila sucessória maior e bem mais persistente do que a do SUS. Tal muxibento festival não dispensaria holofotes a Neil 'Forever' Young, ao que a performance de Morissette delatou compreensível desconforto.

                 Sobre patins, a coreografia sacia olhares. Vigorosos e gráceis movimentos, em que até escorregões e tombos acontecem com sutil diferencial. Fico prostituto-aglutinado quando a estupefaciente japinha-cleópatra queda, preterida, no encômio à 'mamãezinha que morreu, tadinha...'.

                 Ora, quão irrisórias e risíveis são essas putícies-da-cara ante a hegemonia consolidada em decisões do G-8. Não é à toa que o colorido dos aros se faz restrito à credulidade atlética, desde que, no altar, os círculos se ostentem platinados. Se Canadá ou se Canadeu, sei lá. Sei que lá, beber na quadra, não dá cana — ouro cala.

                 Enquanto isso, na Cachassambalândia, o presidente-rezador envia tropas ao Haideti, esbravejando direitos à comissão de segurança.

                 Tens neve?

                 No?

                 No snow, then never.

                 Que vá rogar a São Joaquim...

                 That's all, folks!