sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Um Tilintar e Dois Rangidos

 Me preparava para copular azul a sereia-de-piscina, quando vago sonido de campainha, de celular, ou sei lá do que, tointointointoim... 

... pempempempem, ponta de chave batendo no metal era.

Zonzo, pau-duro, sem saber para qual lado da cama, catando chinelos, bermudas, saltei. Voz de boca-colada, grunhi um "peraí, já vai!", indo desaguar o amarelo, mijado com escassa pontaria, na brancura do vale de louça.

O vidro canelado da porta refrangia mosaico de formas deliciosamente conhecidas. Taquicardíaco, apressei abri-la. Aquele rangido me alcaguetava. À vizinhança. E à gatunagem. O código é mais ou menos assim: um rangido, ele acordou; um rangido e tilintar da corrente do portão, foi comprar cigarros; dois rangidos e o tilintar, foi à lan; dois rangidos e duplo tilintar: ladrões, a postos!

– Queria incomodar, não. Desculpe.

– Capaz! Tinha, mesmo, que...

Flagrantemente apressurado, tentando imitar calma, e ela, ali, mal sabendo-se a sereia da piscina. Ou totalmente sabendo. Claro que sabia...

Afastei cadeira da mesa, sentou-se.

– Passar um pretinho pra nós.

– Pra ti.

Merda, não curo essa imprestável prestimosidade! Ela detestava café.

– Sei. Mas tem suco, aí na geladeira.

– Tá bom. Quero nada, não. Só vim testar as chaves.

Antes que imbecilidade assumisse, voei para o rádio, olhar me rondando. Por mais que tentasse acompanhar pensamentos, a câmera era lenta. Quarto inundado por Elis entoando Black is Beautiful, delicadamente escamei seu vestido.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Minha Rua Não Tem Palmeiras


Foto: Alisson Fernandes

Minha rua é socialista. Quando chove, há barro para todos. Lá, a democracia é totalitária. Quiseram calçá-la, base de rateio. Uns poucos declinaram, continuou crua. Ideologicamente, prefiro. Seria brindar incapacidades.

Na minha rua, economia imita globalização e autossustentabilidade. Tem Paulinho, que apara mato, colore grade, maquia muro. Iara pergunta hora e cronometra salgado quente aos aniversários. Caia fundo de churrasqueira, Rogério improvisará lata. Puxadinho é com o Gérson: cerveja servida, barateia mão-de-obra, afina acabamento. Coelho limpa carburador, põe ponto ao motor. Depois, divide birita e costela. Compradas com os caraminguás do socorro. A mulher lava pra vizinha defronte. Sem pudor nem preconceito. Necessidade. Nem a coleta do lixo é discriminada. Mesmo assim, garrafas vão separadas. Retornam com detergente. Feito por lá. Procedência se conhece, nota faltará. Política, a rua dispensa: Estado não cumpre, não interfira.

Rua minha é solidária. Kombi de Paulo faz ambulância e mula. Viajar é deixar chave-da-casa com vizinho. Pátio assume estacionamento alternativo: guarda carro de garagem reformada, de genro fugindo do sogro e do filho que empreendeu picaretear. A Titica é de todos e de ninguém. Só ameaça, não crava. Acostumou-se ao relento, renega abrigo. Vigia o pedaço e acua jaguara que se atreva. A rua lhe dá sustento.

Quem não mais comparece é chimarrão-beira-de-calçada do Valdir. Morreu, povo da rua enterrou. Não me animo substituí-lo. Faço, então, só distribuir limões-bergamota. Que se dão às pencas. Declaro parte nesse quinhão que nem é posse.

Minha rua não tem palmeiras. Mas, na hora do Angelus, piam aves-marias.


sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Uma Ilusão Chamada Obama

                 Mudança — batido mote. Acadêmico, Barack arregimentaria aluviões. Em torno do lacônico. Seguem, silentes, retóricas indagações. Não me atreveria a formulá-las. Por catedráticas, também esguelhar-se-iam as respostas. Urdido gabarito.

                 Nas telas, o pincel esboçava borrões. Planos de saúde, bônus de cinco mil dólares, hipotecas. Ninharias. Quais capitão pirata regala tripulação, pós bem sucedido saque. Imitaram pintores outros. Aqueles que pouco se dão com arte e deixam transparecer cruezas do canvas. Óleo ressentido a Talibã e jovens soldados mortos.

                 Messiânico, o discurso nunca omitiu. Nem permitiu. Minimamente enviesado a McCain. Ambos desfiando vicissitudes. Da classe média americana. Do Norte — complementaria bucéfalo daqui.

                 Dissipada ufania, muda batuta — e só. Poder econômico é que há de sustentar moral política. No alvo, a autossuficiência energética permanece visível: mapa de areia.

                 Obama quer conversar, mas monologa. Belicoso solilóquio despejado via satélite. Quem não quer conversa é o Oriente Médio — dirá.

                 A casa não é senzala. É branca.