terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Lições

                 Os olhos do pupilo estavam grávidos. Sentiu-se cruel. Inflexionou fleuma, impôs rito. O menor. A praxe. Visível contrariedade atacando consciência, mesmo que convicção absolvesse.

                 Finalmente olhar parindo ânimo, ícones reflexos. Povoara tela, competia ministrar. Texto branco, ditou frase qualquer. Logo perceberia teclado trôpego. Lição primeira.

                 Ensinou gramáticas e histórias. Aritméticas e ingleses. Tudo, menos o que aquela hora que não pagava dois maços. A caminho do bar, tomou decisões. Passaria fumar outra marca. Lição, última.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Exorcismo

                 Na última, enfiou fundo. Mas não foi um fundo qualquer. Sabe, quando se puxa o freio de mão numa lomba? Isso! Mas ao contrário.

                 Fechou as calças, embretou as fraldas da camisa. Realinhando o nó da gravata com uma das mãos, na outra abençoou:

                 — 'Tás livre do demônio, irmãzinha...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Procura-se

                 Por uma cidade em que bares escaldavam copos-martelo pro cafezinho — era fria. Por uma metrópole onde bairros corriam admirados ao palácio — era feudo. Por um porto cuja praia sorria pra rua — e nem era. Por uma pasárgada que recebeu alucinado Neroy poetando luzes nos muros. Médico fora, um dia.

                 Onde andarás, Porto Alegre?


N.A. — Neroy era um morador de rua demente que escrevia poemas a carvão nos tapumes de alguma construção e os assinava assim. Versavam sempre sobre o mesmo tema: faróis de automóveis. Não era agressivo e, quem prestasse atenção, veria por entre o descuido da sua aparência uma fisionomia aristocrática. Via-se, pela escrita, possuir cultura. Personagem da lenda urbana, conta uma versão tratar-se de um médico que enlouquecera após a morte da esposa. Dedico-lhe estas parcas linhas como forma de agradecimento pelas lições que, alheio, mo ensinou: do amor extremado, da sensibilidade acima da razão e da poesia que nem aos loucos abandona.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sobre Ritmo e Sonoridade

(e para não dizer que não falei de flores)

                Era uma vez uma banda. Quem assistisse aos desfiles, se admiraria com pompa e garbo do uniforme. Da harmonia e cadência encerrados na profusão dos dobrados. Jamais suspeitariam, entretanto, que rudimentares noções de ritmo resumir-se-iam a didáticos e nada ortodoxos versos:

                 caralhinho, caralhinho, bunda
                 caralhinho, caralhinho, bunda

                 a boceta não tem dente
                 mas aperta o pau da gente

                 caralhinho, caralhinho, bunda
                 caralhinho, caralhinho, bunda

                 toma limonada
                 pra cagar de madrugada
                 toma limonada
                 pra cagar de madrugada

                 caralhinho, caralhinho, bunda

                Alvitrando escansioná-los, indômito futricar — e salvo maior autoridade presente ao recinto — chegaríamos a algo em torno disso:

                ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = verso jâmbico (eneassílabo com acentos na terceira, sexta e nona sílabas)
                ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = idem ao anterior

                a /bo/ce/ta /não /tem /dente = verso heptassílabo
                mas /a/per/ta o /pau /da /gente = idem ao anterior

                ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = verso jâmbico
                ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = idem ao anterior

                to/ma li/mo/nada = verso pentassílabo
                pra /ca/gar /de /ma/dru/gada = verso heptassílabo
                to/ma li/mo/nada = verso pentassílabo
                pra /ca/gar /de /ma/dru/gada = verso heptassílabo

                caralhinho, caralhinho, bunda = verso jâmbico

                A melodia executada pela banda visa florear a marcha. Em contrapartida, na cadência desta é que se dá o compasso da música. O que vai por aparente absurdo na disritmia encontrada acima, acomoda-se, harmoniosamente, no que abaixo segue. Por comodidade, ainda, vão abreviadas as notações da mesma, que irromperá ao pé esquerdo, locupletando-se no direito.

                Taróis e surdos:

                                 caralhím, caralhím
                                    esq.          dir.    = dois tempos (compasso binário)

                Bumbos:

                                 bum dá
                                esq.  dir. = idem

                                (repete a frase musical)

                Bombardinos:

                                 ábu cêta
                                 esq.  dir. = idem

                                 náuntem dênte
                                    esq.         dir.   = idem

                                 mása pérta
                                  esq.     dir.   = idem

                                 opáu dagênte
                                  esq.      dir.    = idem

                Repique dos taróis, surdos e bumbos:

                                 caralhím, caralhím
                                      esq.          dir.    = idem

                                 bum dá
                                esq.  dir. = idem

                                (repete a frase musical)

                Caixas, com esteiras de doze fios:

                                 tôma limonáda
                                   esq.      dir.      = idem

                                 pracagá dimadrugáda
                                     esq.             dir.         = idem

                                (repete a frase musical)

                Finalização, por taróis e bumbos:

                                 caralhím, caralhím
                                    esq.             dir.     = idem

                                 bum dá
                                esq.  dir. = idem

                Nos caralhinhos finais, o mor acenava a batuta, imediatamente firmando-a, por ambas as extremidades, paralelamente à fileira dos bumbos, e, na última sílaba da bunda, a recolhia até a linha da cintura, cessando, desta feita, por completo, o ruído dos instrumentos.

                Evidentemente que há de se perquirir o leitor o que o cu teria a haver com as calças. Nada. Música é música, poesia é estilo literário. Tais pretensos versos visavam, tão unicamente, reproduzir, de forma onomatopéica, o som dos instrumentos e a ocorrência nos compassos musicais.

                Se o ritmo musical foge à compreensão dita literária, pouco se importaria, com tais preceitos, a arte da harmonia sonora. Afinal, não é da poesia que se escrevem partituras. Ao contrário. O fenômeno musical, rico em colcheias, semicolcheias, fermatas, arpejos, alegros e pianíssimos, é que emprestará ou não, sonoridade a versos. Ouse empregá-la, por magistral, o poeta. Saiba extraí-la quem puder.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Nasce um Imperador

                 O atravessador de propriedades me pôs num divã, projetando Seychelles e outras pasárgadas. Havia um arquipélago órfão de arretos comerciais. Bastava demonstrar uma certa comoção para com piratas. Politicamente interessante, pensei. Ao cabo de uma semana, sobrevoaria.

                 Recebidos em palácio, apressou-se majestoso e frugal repasto. O pulha-em-chefe observava negociações via eme-ésse-ene. Negativas, ultimatos, e meu alheamento lambuzado por um caqui. Seu polegar para baixo, meu dedo em riste. Tensão. Navios sucumbindo, apontei-lhe variedade achocolatada que bem se daria em tal reino. Nervosas, as matracas já não me perfurariam. Apontadas para o celestial, espocaram festivos augúrios.

                 Convocou ministro, oficializaram-me posseiro. Abri a valise, retirando três polpudas cuecas. Intrigado, hilarizou:

                 — Mas não é que és brasileiro?

                 Mandou mucamas contarem. Em risinhos, se incumbiram. Cada esvaziada, esbofeteavam-se pelo souvenir. Sexo implícito, crime explícito — eis as delícias de um conto.

                 A sonolência da volta não me conteve reler escritura. Inconformou-me aquele Ministério da I. e Comércio. Acorri ao corretor:

                 — Por que desta chancela abreviada?

                 — Problema é que eles não têm indústria. Copiaram, deu nisso.

                 Satisfeito, liguei para um maiâmico dealer, encomendando dúzias de embalagens nitrogenadas. Custavam menos que na fonte. De quebra, chegariam vermelhamente exultantes. Saborearia, assim, preliminares salvaguardas de estadista.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Ghost, do Outro Lado da Escrita

                 Depois daquele artigo lá no Nuió, desandou, de vez, a maionese. Senti-me menorréico, o afluxo ao perfil do orchukrut disparando e helicópteros já urubuzariam meu muquifo. Seriam do Vatecano?

                 Urgia decidir, tratar-me. Expor síndromes e intenções a advogados e psicanalistas. A questão seria o quê com quem. Havia que definir. Ambos acabam faturando pelos dois lados. Por precaução, levaria uma parede, junto.

                 Aflorou-me, então, neurolinguística consciência: moralista está para moral, assim como jornalista está para jornal, como normalista para normal... para vaginal, vaginalista? De imediato ocorrem grotescas exceções: analista, articulista e paulista. Gosto da primeira, a segunda desprezo. Tornar-me-ia, finalmente, um santo. Quiçá, um coelho. Jarb Paul Iger, ou, simplesmente, JP. Nome sem origem. Sem classe. Sem gênero. Estaria, em mim, o terceiro segredo de Fátima.

                 Tudo arranjado, subornei o revisor e uma vírgula deu mote. Antes mesmo de rubricar o ato defenestrativo, o fórum, devidamente lubrificado, acoitaria bacanalistas petições. Os talagaços de sempre, acrescidos de assédio, mais danos outros. Três varas, de vez, num só buraco.

                 Aqui as coisas andam. Tão rápido que dá nem pra aproveitar a crise da Macy’s. O acordo forraria velhas cuecas com recentes cédulas cheirando a tequila.

                 Pergunto, e agora, JP?

                 Respondo. Fazer o que fazem caras bem sucedidas. Comprar uma ilha.