terça-feira, 1 de abril de 2008

Nuances

 A brisa sopra leve trazendo através da janela entreaberta os matizes do capim orvalhado. Estranhamente, os sabiás estão silentes e gosto. Não que desejasse alijá-los do seu natural chilrear, mas, no exato momento, este macularia o nirvana. Percebo que a paz não é o equilíbrio das forças ou a harmonia das ideias, ou, ainda, o rejubilo das emoções. Não é nada disso. A paz é justamente o contrário, a anulação de qualquer força, um livre pensar que não impõe, a total ausência do sentir. A paz, enfim, é um estado de absoluta ausência.


Desliguei há pouco o televisor onde o apresentador do telejornal narrava, abastecido de imagens, que a polícia atirara bombas contra torcedores de futebol e concluía ironicamente que aqueles arruaceiros, elementos despreparados para um convívio social, seriam no futuro nossos governantes. Não pertenço a este mundo. Aliás, nada mais em mim pertence. Nem o meu corpo à minha alma, nem tampouco esta ao meu corpo. Estou a cada dia mais etéreo. E começo a entender que em breve me dissiparei. Ainda assim, num contrassenso, insisto em romper a paz e permitir que um fino traço esboroe em imaginárias palavras as tuas nuances.