domingo, 23 de janeiro de 2011

Adeus a Deus

Caminhávamos lentamente pela calçada esquerda da Duque, subidos do Gasômetro em mira à Catedral. As baforadas da estação quente fustigam, mas o entardecer porto-alegrense se oferece em poema arrefecedor. Íamos, as nossas sombras se medindo, sempre que se descuidavam as das árvores.

Havia uma discussão em pauta, conduzida com leveza zombeteira. Quem deveria andar pelo lado de fora, junto ao meio-fio? Por maior existência, se impunha com este argumento. Em tom cavalheiro discordaria, pois assim me foram dadas as damas no trato.

– Ah, me tens e me tomas por tua mulherzinha?

– Te fizeram livros dignos de corar Clarices. Sucumbe, então, à tua fama!

As palavras iam sumindo, em volume e compreensão, em meio à algazarra dos pardais se aninhando para o pernoite. A escolta das árvores também cederia, respeitando as colunas do Palácio e o oblíquo paredão da Assembléia. Mais adiante, a Matriz. Foi quando nos despedimos.

– Fico por aqui. Vou dar uma espiada no que andam falando de mim – e adentrou.

Vi seu vulto sumir. Cortei pela praça, desci a rua da Ladeira e ri, comigo mesmo: esse cara não existe!