terça-feira, 25 de maio de 2010

Dicas para Celibatários e Outros Seres Sem Noção

(autoajuda*)

Passando Café

                 Tenha uma garrafa térmica e uma chaleira com capacidade um pouco maior. Meça a água na térmica e despeje-a na chaleira. Adicione, aproximadamente, um copo de água. Com alguma prática, você acostumará as vistas com o volume ideal, sem mais precisar medir. Ponha a água a ferver em fogo alto e, no ínterim, prepare o receptáculo (bule, portafiltro, filtro e pó). Há portafiltros que se acomodam ao gargalo da garrafa. Se o dia for quente, despeje a primeira coada logo que a água chiar. Isto também proporcionará um melhor sabor. Na segunda, já com a água ebulindo, apague a chama do fogão. Economizará gás. Se estiver frio, repita o procedimento anterior e, na segunda coada, baixe a chama, só apagando-a na última. Com a água restante, escalde a ampola da térmica. O café permanecerá por mais tempo aquecido. Economizará gás. Utilize filtros médios e o correspondente portafiltro. Há embalagens com sessenta unidades que custam bem pouco mais do que as de quarenta. Você não sabe analisar a relação custo versus benefício? Tudo bem, tem um jeito simples de fazê-lo: divida o preço da embalagem menor por dois e multiplique essa metade por três. Se o resultado for superior ao preço da outra, vale a pena comprar a maior. Não jogue fora a água restante. Escalde o portafiltro e a colher com que foi medido o pó. Economizará água. Se, ainda assim, sobrar alguma água na chaleira, deixe-a lá. Já estará fervida e disponível para algum outro improviso culinário. Pronto, agora é só beber e exclamar: Yes, I can!

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*ao melhor estilo paulocoalhado, ou seja, sem nenhum e cagado de lugar-comum, desde que autoajuda possa significar limpar-se com a vagabunda da folha que o contenha.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

1971 (ou Lira dos Quinze)

                 Quase me fodi, ano passado. Precisava de três e meio em Matemática. Tangenciei. Literal e geometricamente, dois décimos acima. Depois, fevereiro, praia e paixão. A praia, uma dessas sem status, água salgada, areia molhada, areia salgada, água molhada.

                 Mas aquela franja ressaltaria uma sedutora linha adunca. Nenhuma psicanálise conseguirá deslindar. Seguir-se-ia malícia feminina no convencimento de que Ópera se escreveu com H. Ao menos no letreiro do cinema, lá da sua terra. Fazer o quê, Veríssimo, se foi Ana?

                 O jogo das letras eram as tardes. Ou manhãs que não davam praia, ao salão do hotelzinho da rua do mar. Eu esnobava uma Cross, escrita fina, dourada. Levava, junto, o caderno e uma PaperMate rosa-choque. Mulheres são almas que se conquistam — ou adestráveis — pela curiosidade. O signo continha.

                 Vai semana. De siri em casquinha. De paquera, sem ficar. Tabus...

                 Tragédia. Quando, ao jantar, ela veio. À mesa, e foi assim. Um "só vim me..." e tchau. Engoli sem mastigar. Precisava sair dali e ninguém saía sem terminar — era lei.

                 Tarde.

                 Só rastro. Na areia, o relevo das estrias. Dos pneus de um quatro-portas. Quatro sinaleiras, recentíssimo verde-musgo.

                 ...

                 O ano correu quieto.

                 Passou.

                 Passei.

                 Por média.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dona Brasília

                 Quando nos conhecemos, a antipatia foi recíproca. Ela, já balzaquiana, me olhou de cima a baixo, literalmente. Seu desdém me deixaria febril. Subi, acabrunhado, a escadaria que dava para o apartamento. Meu irmão abriu a porta: estava a salvo.

                 Era véspera da formatura do seu oficialato e não deixaria que ela estragasse. Bebi água e desejei encontrar moléculas de ar respirável em meio àquela secura. Depois, mais refeito do efeito rarefeito, fui à sacada e percorri os horizontes. Ah, eu sabia! Essa pavoa, que esnobara uma plástica niemeyeriana, deixava a descoberto seu passado bem vermelho e grudento.

                 Embustes desfeitos, Dona Brasília viraria referência, uma espécie de cafetina condescendente. Além deste, acolheu outros dois, do mesmo sangue. Que se formariam, então, pela UnB.

                 Aprendi a respeitá-la da forma mais cruel, quando o pai dos meus sobrinhos, agora coronel reformado, apontou insuficiências didáticas, aqui, em Gramado.

                 Quiseram as áleas da sorte que, mais uma vez, meu pé direito tocasse seu manto. A conexão forçada me obrigaria a passar a noite em seus braços, um tanto mais rechonchudos.

                 Este inesperado encontro nos fez bem. Havíamos amadurecido, reconhecido agruras da intempestividade. Fomos, mutuamente, cordiais. Ela até me deixaria, no decorrer, visitar minha mãe e, quando segui, augurou venturas.

                 Da viagem, guardo indeléveis momentos. Do sorriso quadradinho da absoluta musa, ao vivo e em sabores, pelo qual atravessei o país e, da volta, um luzeiro. A conexão fora noturna. Rápida, dessa vez. Vista embaçada com a saudade que já comprimia, vislumbrei, da janelinha, via-láctea em plano-piloto.

                 ...

                 Parabéns, Dona Brasília! Com toda a intimidade com que já me permito e ouso, acrescento: parabéns, cinquentona! Poderosa cinquentona...