terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Unibandalheira: uma anatomia do "Caso Geisy"



                 Quem é o culpado? A própria universidade. Quando não estatui o seu modelo disciplinar, quando não há um regimento interno, ou, se há, não o faz valer. Conforme declarações públicas de alguns alunos e, também, da personagem vitimizada, não é de hoje acontecerem manifestações relacionadas à "indumentária" e à, digamos, "exuberância" de tal aluna. O que houve, na realidade, foi um excesso no tipo de manifestação, uma espécie de extravasamento de um sentimento latente e coletivo, paulatinamente acumulado, em que se deu o estopim num determinado gesto ou atitude vulgar.

                 Que tipo de sentimento seria este? Bem, não é difícil imaginar, considerando que a população discente é composta, na maioria, por adolescentes, e que os níveis da testosterona sejam, de fato, elevados. Isto, acrescido ao estado libertino qual se permite esta casa de ensino, haja vista a quantidade de estudantes que ficam perambulando a esmo, constituiu a pré-mistura. Farinha e fermento para um bolo. Faltava a gota d'água, ou, mais apropriadamente — em se tratando de bolo, é claro —, o tanto do leite. A questão é: se a massa não é moldada e vá, imediatamente, ao forno, é previsível que desande ou, até, cresça e rebente. A essa equação temporal é que uma reitoria não poderia se furtar.

                 A multidão, assomada pela histeria, em que haja contribuído a desinformação ou até algum boato capcioso, imitou estouro de boiada. Improvável seja que cerca de 700 alunos tenham tomado, ao mesmo tempo, conhecimento do fato originário. Mas não se descarte, no seu bojo, a mera curiosidade, qual deflagrou tumulto. Dadas as condições arquitetônicas, o próprio vão do edifício proporcionaria a reverberação do vozerio e do ruído das passadas, fazendo com que aqueles alunos que não estivessem à deriva, nos corredores, e, sim, adentrados nas salas de aula, se evadissem e participassem, sem mesmo saber do quê. Mais uma vez, peca a universidade em virtude da permissividade, aliada à falta de pulso dos seus docentes.

                 Ao grupo inicial que, sentindo-se incitado, e, em assim sendo, se permitiu assediá-la, mormente na obtenção de "privilegiado" ângulo fotográfico, se ajuntou outro, formando a turba, ao melhor estilo Talibã. Frustradas intenções passariam, primeiro, a sitiar o sanitário, para, em seguida, submetê-la à execração, onde desafetas vozes femininas também comporiam esse coro. Se, por um lado, sucedeu constrangimento e difamação, por outro, não há registro ou prova cabal de quaisquer danos físicos. Mesmo, sequer, dessa intencionalidade, como alguns pretenderiam. Basta examinar as imagens e os sons dos vídeos, amplamente divulgados, ao rigor da imparcialidade, corroborados pelo natural depoimento da protagonista.

                 Uma análise responsável não pode ser excludente, ainda que superficial. Anexe-se, então, a ela, um breve perfil do pivô: maior, tipo caucasiano, não esbelta, não bela, proletária, aluna de curso de Turismo em universidade privada. É de se recear que, nos devaneios da impubescência, já buscasse algum compensatório. Veria, na confessa vaidade, ainda que em duvidosa estética, o caminho da autoafirmação e ou da aceitação.

                 Não obstante se coloquem em cheque os valores morais e os de ordem comportamental, em que a mídia aproveitadora, tendenciosa e sensacionalista — como tem sido a praxe — busque manipular a opinião pública, atacando a discriminação, não residiria, aí, o fulcro. A tese é bem mais complexa, envolvendo até um desregramento, no que tange ao processo dito democrático. Não se extraia, daí, apologia ao retrocesso, mas a desordem e a impunidade têm sido a tônica desse estado.

                 Permito-me uma ilação: qual seria a diferença entre os marmanjos do tal estabelecimento de ensino e operários de um canteiro de obras? Praticamente, nenhuma. Com a popularização dos aparelhos de telefonia móvel, vulgo "celulares", com câmeras embutidas, além dos contumazes gracejos ou apupos, não faltaria, aos segundos, o desejo, também, de registrar fortuitas imagens. Ressalve-se somente um senão: caso viessem a perseguir a dita cuja com este intento, abandonando, assim, seus postos, por certo perderiam seus empregos. Mas não é tão ou mais sagrado o lugar onde se ganha o pão edificando a casa alheia?

                 Um tsunami de hipocrisias é o que vem inundando as combalidas fortalezas da ética. A insólita reação da cambada, travestida por supostos preceitos, é o que vem causar comoção. Pois não se turve a vista ante aquilo que constituiu um verdadeiro e atual estrato da sociedade, um extrato dos valores vigentes. Principalmente, se a vaga universitária possa ser vilipendiada através do reles ato comercial.

                 Traficante de drogas portar arma, ostensivamente, no morro, pode? Pode. Viciado fumar crack ou maconha em via pública, pode? Pode. Motorista alcoolizado atropelar pedestres e pagar fiança para sair da cadeia, pode? Pode. Governador de estado promover festival de corrupção em palácio, pode? Pode. Então, Mauricinho que frequente faculdade particular e queira fotografar a parte mais interna e superior das coxas de uma Patricinha, também pode, não é?

                 O que não se pode é dizer que ela tenha feito questão de mostrá-la. Ou pode?