quarta-feira, 25 de março de 2009

Variantes


Prefiro
Ao pôr-do-sol, a estrela vespertina
À Disneyworld, a Chapada Diamantina
À suada Copacabana, uma London com neblina
Ao loft do condomínio, um castelo na colina
Ao trinado na gaiola, o piado da rapina
Ao legítimo scotch, um vinho de cantina
Às glórias de guerreiro, os pecados da esquina
À bunda da Aguillera, Kelch der Liebe na surdina
À super-fashion-top-model, tu de saia e botina
Ao Mel da Lisboa, dos teus lábios a morfina

Sou gótico?

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Prefiro
À romântica Veneza, a frieza cisalpina
Ao toque artesanal, tudo à pilha alcalina
Ao desalinho do acaso, a ordeira disciplina
Ao frutífero frescor, a ampola cristalina
À nacarada pérola, o rutilo da platina
À liberdade da prosa, da métrica a rotina
À simpleza natural, maquiagem e purpurina
Ao onírico retrato, teu sarcasmo na retina
Ao platônico amor, tuas ancas à Messalina
À preliminar carícia, te comer com vaselina

Sou robótico?

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Prefiro
Ao precioso lácteo, me encharcar de cafeína
A uma bala na cabeça, morte lenta, nicotina
Ao sono do justo, conectar-me na matina
Ao discreto traficar, tudo exposto na vitrina
Ao lento par de tênis, a veloz gasolina
Ao soberbo nutriente, bolacha com margarina
Ao latino insinuar, minha porção feminina
A melão de silicone, sinuosidade pequenina
A aceitar tua grafia, me entorpecer com Elaína
À possibilidade do impossível, tentar
— não dá nada, nem combina

Ah, sou caótico...

quarta-feira, 18 de março de 2009

O Encarnador



                 Especializei-me em seduzir freiras. Não são os corpos que contam, mas a ilha proibida. Apresento-me à madre superiora com as superiores recomendações de outra madre: "Trata-se de profissional sério e competente”. De resto, mulher é mulher. Gosta de galanteio, segredo e poesia. Vasculho a vaidade e o pecado se apresenta. Pecado é a palavra mais erótica que conheço. Quando no diminutivo, causa furor uterino.

                 As celas são limpas e recendem à pureza. "Com licença, irmã. Posso examinar o toalete?” — adentro aliciando, serviço à francesa. Se ficar à porta, observando, é caminho. Conduzo as preliminares exigidas por aquela intimidade. Calmo, preciso, sem denotar força.

                 Faço valer o verbo. Sutis metáforas. Das curvas de um vaso. Da rigidez de um cano. Do intercurso hidrodinâmico. Sano, saro, limpo e atiço. Até tornar-me digno de um copo d'água. Que recebo com premeditado toque. Escuso-me em versificados goles. Sorvo e me deixo sorver.

                 Serei reconvocado. Serviço mal feito? Nada. Inadvertido, o relógio se deixara ficar. De pulso perfumado. De horas de imaginação. Mas é homem que adentrará.

                 A melhor parte são os arrependimentos. Beijamo-nos e abraçamo-nos e choramos de desesperos de culpa. Fazemos pactos de mútua punição. Rezamos penitências. Nus, no catre, ajoelhados, lado a lado. Meu sexo parece, também, querer rezar. Uma segunda bem dada e toda a ladainha de novo.

                 Então me afasto. Saudade que se incumba e haverá tarefa.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Se Todos os Homens Fossem Padres



Não confesso nenhuma fé. Abdico de convicções, mas há condutas. Quem há de nunca se deixar seduzir por eclesiásticas arquiteturas? Pela perfeita sebe de um monastério? Por rotinas de paz? Acrescente-se gosto elaborado. A harmonia habita, a despeito das artes em profusão. O tempo, categoricamente, equaciona-se e surte.

Abandonemos a obra e construamos olhar ao autor. Íntegro, disciplinado, culto, afável, ponderado e convicto. Escalas que não pontuam quesitos de uma noite só. Edificou sólida multinacional que desconhece crise. Modo contrário, per seculum seculorum, dela subsistirá. Consolida patrimônio físico e intelectual por conta do invisível serviço. Investe frações temporais em outros. Sobremundo que pactua com o poder, apartando-se de leigas catástrofes.

Padres não matam padres. Não roubam. Não traficam. Têm estabilidade, plano de carreira. Não divorciam-se, não abortam. Não sofrem paternidade. Nem legam herança. Filhos, que sejam dos outros. Mulheres, amém.

terça-feira, 3 de março de 2009

Criptografia

                 Ando meio repetitivo. O vocabulário não comparece, a gramática empalidece, nem há curvas de sobe-desce. Tenho visto meu esqueleto expressar uma poética que me acentua, a cada dia, mais crônico. A espiral dos sentidos tornou-se tão infinitamente excêntrica que se deixou escapar ao eixo.

                 Então me masturbo na filosofia. Não essa que faz escola, que idolatra ou que imita, que define, que limita. Também não aquela outra, absurda, que diz aprender com o filho, mas nada ensina ao pai.

                 O segredo maior não se oculta; guardar é sucumbir à descoberta. Difícil, mesmo, é não ser. Nem niilista.