quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Eu Perciso de Dinhero


Eu perciso de dinhero
Meu amigo, companhero
Eu perciso de dinhero

Padeci o ano intero
Tou deveno pro livrero
Eu perciso de dinhero

Loteei o meu faquero
Penhorei o cabidero
Eu perciso de dinhero

Dias despois do primero
Casa própia é já putero
Possa eu ser o portero

sábado, 18 de dezembro de 2010

Auto de Natal




José seguiu o cometa
Nada de novo no drama
Trocou o pó pela lama
O jegue pelo trem

José não é ninguém
Nem nunca será
Nas noites de saravá
Se afoga na marafa

José bom de tarrafa
Ainda pesca estrelas
Quisera assim retê-las
No palco da jangada

José veio do nada
Do nada também veio o dia
Que à noite lhe trouxe Maria
E ao barraco alguma cortina

José nem imagina
Que os fogos da favela
Anunciam outra mazela
Da inocência parida

José quer outra vida
Ajoelha, acende vela
Essa pálida aquarela
De longe inspira magia

É José mais Maria
O zinco fazendo presépio
Um irônico obséquio
Da solércia do destino

José, ex-nordestino
Não crê em seres alados
Com o oitão municiado
Dá busca ao desafeto

José, carioca sem-teto
Despeja a fúria em dolo
Na traição não há consolo
Que habite este planeta

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ENEM que eu queira...

Sabe, eu até gosto do Lula. Não no papel presidencial, até porque de papel, mesmo, creio que ele se limite ao de jornal. Quando muito, ao higiênico. Mas é um sujeito bem intencionado. Aí estão o sistema de cotas e o ENEM, dois métodos para burlar a metodocracia aristocrática do Vestibular.

Um dia já percorri este funil e obtive êxito. Sem cursinho, sem privilégios raciais e, muito menos, o aval da Polícia Federal. É, porque, querendo ou não, quem se beneficia de crime, criminoso também o é. Haja vista a falta de controle e seriedade, os calouros provindos deste beneplácito figuram, no mínimo, na ala da suspeição.

Nesse clima policialesco, terei que confessar que também fui apadrinhado. Tal qual alcaguete, declino o nome dos meus tutores: Ilka Costa Ritter, Dino Del Pino e Tapir Waterloo.

– “Quem são eles?” – e recebo um chute no saco da paciência.

– “Foram meus professores de Português no II grau” – respondo amuado.

– “Pagou pela aprovação?” – e me enfiam pontas de bambus por debaixo das unhas da mão esquerda, para que a outra ainda possa assinar a confissão.

– “Não, não paguei. Estudei em escola pública” – gemendo, procuro manter a altivez.

Entreolham-se, num misto de espanto e dúvida.

– “Quando foi isso?” – já dependurado pelos pés, o botijão envolto no cobertor atinge a região lombo-cervical, último reduto da minha idoneidade.

– “Na década de 70...” – as fricativas e oclusivas já saindo africadas, junto ao fluxo sem trema.

De repente param e ficam me observando. Uma moça com cara de Erenice, que já preparava os eletrodos, é dispensada. Cortam a corda e deixam que me esborrache.

– “Vai pra casa, sem-futuro! Tu não tem a menor chance de ser nada nessa vida. Nem presidente”.

Saio, primeiro me arrastando, depois capengueando. Quase um símio. Antes de cruzar o portal da liberdade, me escoro ao marco. Um istmo sináptico me advém: "E nem quererei”.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Filó da Sofia



Se existo
Porque penso

Ao meu ego
Não resisto

Penso pouco
Louco penso

Pouco tenso
Logo nego

Sendo louco
Não existo

domingo, 5 de dezembro de 2010

Jurupiter em Conjunção Carnal com


Vênus
Vênias
Vaivém
Vulvar

Marte
Malas-arte
Mortal
Malabar

Saturno
Soturno
Seu turno
Suar

Mercúrio
Mergulho
Mais puro
Melar

Plutão
Platão
Poltrão
Palatar

Netuno
Na tuna
Noturno
Nicar

Urano
Urino
Uterino
Ulular

Terra
Terror
Tenso
Trottoir

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Feira Por Fora, Feia Por Dentro

Está aí, pra quem quiser ver, a tão festejada Feira do Livro da Portinho dos Casais. Já na casa dos 56, incrementada por mais e faraônicos estandes das rádios com estúdios ao vivo, das tevês, do Senado Federal e do não-sei-mais-o-quê, em avanço sufocante às maloquinhas dos livros.

Olha, pouco me importa a autofagia capitalista, pois não estão livres os senhores livreiros de também alimentá-la. Pois que se prestem, então, a acepipes. Só que – e que se entenda bem esse quê – o consumidor, o cliente, enfim, o leitor, quererá algo em troca da propaganda.

Ávido e grávido, por alvíssaras e de expectativas, cruzo os bretes qual boi passivo e paciente, à cata de dois autores. E haja paciência! Porque basta um casal empacar com o seu carrinho de bebê que o andor congestiona. O suficiente para que se acerquem duas caras muito mal-intencionadas. E o olhar da Lei? Periférico. Amplamente periférico.

De mais a mais, a Praça da Alfândega está em obras. De restauração, dizem. O que confere um cenário apocalíptico ao acontecimento. Um atestado de incongruências político-administrativas, que nos envergonha – a nós, gaúchos – perante o contingente turístico ali afluído. E dizer que a este vexame se pretenda caráter internacional... Alinhado ao Paixão Côrtes, patrono desta edição, resta exclamar a mim mesmo: “– Mas bah, tchê!”.

Volto aos heróicos farrapos desta revolução: os livros. Já sem mãos para tanto material elucidativo – Guia da Feira, Revista da Feira, Mapa da Feira – não encontro birosca alguma que represente meus eleitos. Fico até meio sem jeito quando sugiro à atendente do estande informatizado que tente, talvez, o Google. Mais, ainda, quando ela efetivamente o faz.

Saio de fininho, mentalizando graças por não ter sido assaltado. Para não dizer que “de mãos abanando", arremato um Alcy Cheuiche e um Armindo Trevisan, num desses balaios de saldos. Pela estupefaciente bagatela de dois reais, cada. Lembram do preço do quilo do frango no início do Plano Real? Mas bah, tchê! Pois é, e com direito a todas as griffes da feira. Desde a sacolinha, até os marcadores de página.

Pouco depois, acomodado num dos assentos daquilo cuja passagem ida-e-volta pagaria ambos, folheei Cheuiche: "Até o cidadão mais desatento sabe que os jacarandás estão em floração. É só tirar um pouquinho o nariz dos seus negócios e verá também as primeiras flores amarelas dos guapuruvus. E quando os jacarandás e guapuruvus estão floridos é época de Feira do Livro".

O ônibus arranca. Segundos antes de contornar o Gasômetro, apazigua-me espreitar uma nesga da condescendência primaveril derramando seus tépidos e derradeiros versos por sobre as folhas do tempo.


domingo, 17 de outubro de 2010

"33"

Não querendo ser impertinente, mas, já o sendo, será que eles irão registrar o "69", também?


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Carteado

– Mas vai-te, calavera! – e descartou valete de bastos por cima da pilha, como quem passasse o fio do três-listras em goela de castelhano.

Envidraçados, os olhos varavam as cartas, engoliam oito ou nove cadeiras com mesa, com a jogatina e com tudo o mais, transpassando quadros, o macho-e-fêmea das paredes. Indo desanuviar nalgum descampado. Nalgum capão de magarefe. Em alguma sanga cristalina, transbordante de jundiás. Ou meramente se deixando quedar à acolhida da paineira, na crista da coxilha. Vaguearia pelo marulhar dos capins-de-nossa-senhora – quaisquer outros resgates telúricos, que das bandas do Caverá, então, lhe apaziguassem.

Depois, da coima arrecadada, se ia a indiada buscar bolo de fubá tinindo, pra lambuzar na manteiga. Eram as ansiadas tardes do sétimo dia, zunisse ou não Minuano.

De pouca palavra e pouco dizer, dele só se perceberia quando rangessem as tábuas do assoalho, pisado lento, decidido. Este quase mutismo guardava saber. Não haveria revolução. Nem diz-que-me-diz-que. Respeito é coisa que se traz na envergadura e havia de sobra, disso, naquele taura. Precisava nem corneteiro anunciar pra saber que namoro não paga hora-extra, que a hora é certa na casa da honradez. Convocado, manhã seguinte era ordem me apresentar pra lide: rato da cidade assando costela na vala.

...

– Tu não vais enterrar um asno! Dois palmos e basta!

Ralhava sério, mas, no imo, mofava do pouca-prática. Crepitasse braseiro, que já recolhia tição e, desvencilhada camisa, fustigaria as paletas:

– Ah, que me judia esse cobreiro!

...

Pois foi numa dessas sabatinas que abandonou mais cedo, estancando à roda, mãos apoiadas em ombros do par quase aliançado:

– Meus filhos – pausaria, até obter totalidade – vocês estão criados. Vida feita. Chegou hora de seguir a minha.

Embaralhou ases e copas. Deu de mão, sem bater. Alçou.

Desta vez, sem blefar.

__________________________________________

À memória de Renes, índio guapo e avô de meu filho.


mínimo glossário

Coima, s.f. Quota fixa, de pequeno valor, que se paga para participar de uma rodada de carteado, não restituível em caso de desistência e que passa a integrar o montante das apostas. Espécie de multa paga por criadores de gado, por danos causados à propriedade alheia, de onde se aplica, à circunstância, o mesmo princípio indenizatório, mantida a denominação. É comum se convencionar utilizá-la para custeio ou ressarcimento dos comes e bebes servidos durante e ou após a sessão da jogatina.

Minuano, s.m. Vento sazonal, que sopra forte e initerruptamente, em virtude do deslocamento de grandes massas polares durante o inverno meridional. Não é rara a referência ao ruído provocado por esta corrente, quando obstaculizada por galhos, postes e cercas, ou quando da sua passagem por frestas nas áreas construídas.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Cabeças Pensantes

Tenho duas cabeças pensantes

A de cima pensa que pode
A de baixo pensa que fode

Mas na hora de dar o cu pro vaso
O conceito é reto e raso

A de baixo fica por cima
A de cima fica por baixo

E me limpo com papel Cervantes

sábado, 2 de outubro de 2010

Ménage à Quatre Já é Suruba

Se as pesquisas registram menos de um por cento para os demais candidatos, por que as redes teledifusoras insistem em trazer aquele partido com nome de inseticida para os debates? Deve ser por uma questão de estética, uma espécie de simetria, onde o mediador ocupa o centro, ou, melhor ainda, que somente elas o ocupem.

O engraçado é que o Plin tem a cara e a voz daqueles pernilongos dos comerciais insetocidas e bem estamparia uma embalagem. Quem lembra dos espirais Bôa Noite? Então, cada um em seu quadrado púlpito, ficam rogando pragas, a Cucaracha rechonchuda, o Mosca mesma-merda e a Gafanhota reciclada. Para receberem jatos piretrinados de quem? Ora, mas de um neocanhotista? Traidor!

Ou, ainda, será – ranço machista – a inadmissibilidade de maioria feminina nos desígnios? Envidam o equilíbrio das forças sexuais? Ah, isto me cheira, realmente, a sexo e, de repente, vislumbro a Diu pagando um boquete pro Plin. Este, por sua vez, busca, sofregamente, mamar os diluídos peitinhos da Morena. Que bate uma pro Zé Sé. Que, por sua vez, enraba a Diu. Ainda bem que a putaria pelo poder passa num horário em que as criancinhas já deveriam estar no terceiro sono.

Só sei que no dia da sagrada folga do trabalhador, se as minhas condições de saúde assim o permitirem, serei arrancado do meu lar de aluguel – mal alimentado no corpo, mas muito bem no espírito – para enfrentar, com ceticismo, o sigilo do voto. Rezo para que, no caminho, não seja assaltado. Ou que, o sendo, o bandido não fure a femoral do meu único meio de transporte e me deixe, por compaixão, ao menos, um documento com foto.

O salário? Deus lhe pague!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ôla!

"Kan't, Kan't, pin gente..."
martini d'avila

Mín, Silverberg, Joshua
Têrr êstu-dáda pá-stânde
A pérrfil óf cérrdas polídigos

Quând mín fálarr pérrfil
Sêrr pérrfil mêss-ma

Nática óf nótsing
Fór Íds, Êgos
Niuquíds
Únd mái nêgos

Êu ólharr a pérrfil óf Êre-Náice
Únd pênt-sár, pênt-sár, pênt-sár...

Acórra, cônclu-írr
Que êsde môça têrr
Ún cábet-sôrra
Óf coríla

Ízit máu únd pôm

Sêrr máu
Pôrrque mácacas córdos
Quêbrrar cálhos
Bát ónli fór iór áun fíll-hóts

Êm cômpen-sêitcho
Br-rézident bóde dalla
Fór brêzent tú Místar St'alôun



Rê-rê

Nô-iê

Únd panána

4você

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sapateando no Pau

Hoje, aqui nos Pampas, é feriado. Comemora-se a Revolução dos maltrapilhos. Diz o hino gaúcho que a data é precursora da Liberdade, onde infiro que ela deva, então, começar na Estação das Flores. Independentemente (será que me antecipo?) das piadas pouco inteligentes acerca do modus vivendi et operandi dos nativos, quais grassam a orbi brasiliensis, tenho outras visões escabrosas.

Ainda vive, perto dos noventa, a lenda personificada em Paixão Côrtes, um tradicionalista que ousou corrigir o nem tão veríssimo Érico. Ele e o escritor prestaram consultoria à produção cinematográfica da trilogia O Tempo e o Vento. Foi daí que o Érico se viu em bombachas apertadas, quando Paixão apontou a inexistência de gaita àquela época, qual fora substituída, a contento, por uma viola.

Também, conforme Paixão, o Capitão Rodrigo jamais teria saído vivo do bolicho, acaso, na realidade, tivesse se espalhado, ufanando, aos quatro ventos, nos pequenos dar de prancha e nos grandes dar de talho.

O ideal Farroupilha creu no Iluminismo, o que, poucas décadas além, conferiria à Fortaleza o cognome de Cidade Luz. Aqui, durante os embates, se produziu um grupamento de lanceiros, arregimentado este só entre afro-espoliados. Heróis a cabresto.

Pois dia destes, adentrando um megabolicho para cambiar alguns caraminguás por escassa ração humana, me deparo com um loirão pilchado. A figuraça tinha a estatura de arrancar, de raspão, o batente de porta qualquer. O complexo arquétipo desfilava numa alegoria, onde o rabo-de-cavalo sobressaía o chapéu, desnudando a orelha que ostentava um brinco dourado. Da cintura para baixo, bombachas e alpercatas e, para completar, um lencinho colorido ao pescoço, disposto a la Clodovil.

Terra de Anas Terras, já não és mais reduto de separatistas. A Liberdade enfim chegou. Com as flores da Primavera, ainda hei de ver a prenda popozuda rebolar a chula, se agachando até roçar a vara estirada do guerreiro. Sem com Paixão.


mínimo glossário

Bolicho, s.m. Pequeno armazém de gêneros alimentícios, especiarias, fumo e apetrechos de montaria, que também serve bebidas, comum na região da campanha. Var.: boliche.

Chula, s.f. Dança folclórica gaúcha, onde um homem caracterizado executa movimentos de sapateado por sobre uma lança deitada ao solo, por toda a extensão desta e cuidando para não tocá-la, produzindo som ritmado com suas botas e esporas.

Pilcha, s.f. Apelido para dinheiro. Por extensão, indica a condição daquele que tem recursos, inclusive, para bem se vestir.

Pilchado, adj. Endinheirado. Por extensão, indica o bem vestir daquele que tem a pilcha.

Prenda, s.f. Moça ou mulher com boas qualidades; designativo afetuoso que é dado à.

domingo, 19 de setembro de 2010

Barraca Armado

Nasci no Abará dos Xaxado, onde o diabo perdeu as bota, as pimenta e o camarão, e o ar se faz muntu oxidrânio. Sô membro dos Armado, familha que nunega fuego. Me batizaro Georje. Inté gosto. Me sinto meio aparentado c'o Jorge, o Amado, e aquele lá das gravata – cumé mêismo? – ah!, o Armânio.

Mãinha me explicou os porquê do Gê: ela tinha mais amores pelo Jota, mas vai que na hora da chamada pra merenda, o antepasto só vaya inté antes de? Adespois, o gringo que me fez pagou com nota falsa. Nem posso me dizê filho duma égua, se a burra é que foi barranqueada.

...

– Nhô Ar, por que tu não escreve livro?

– Screvo não, nem leio. Mas teve aí uma chusma de estudante quereno gravá meus contado, dizeno que era bom pras literatura. Preceio não, pois tirante Nossa Senhora Soninha Toda Pura, tutto que rima com 'ura' num presta. Vê aí, ó: usura, ditadura, capitura, rapadura...

– Rapadura?

– Cundunum quebra, num careia?

– E a Epifânia?

– Morreu, queném erva rastera que fica por debaixo das charqueada. É a vida, sô. O que num acrescenta, desalenta. Um pitéu dos mais grã-fino. Só de renda o abadá da prenda tinha ano e meio de salário do Serra.

– Isso é crítica política?

– É e nué. Agora sô barraquêro e só posso metê a pexêra é pra abrí os coco verde.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Meu Nome É Lindsei

Meu nome é Lindsei e sou hetero – só não sei dizer de qual sexo. Aos três anos troquei de casa. Antes, era uma casa grande com um quartão cheinho de beliches e eu tinha muitas tias. Cresci num apartment, em meio a dengos e dengues e outros bichos e bichas. Era uma criança normal – ao menos pensava que sim.

Estudei numa escola particular com todos os requififes e luxinhos da classe média alta. A cada três meses, durante as aulas específicas de origami, chamavam alguns para uma entrevista com a psicóloga do colégio. Não sei o porquê, mas sempre fora chamado. Pelo tamanho do pé, eu imaginava que o pinto dela fosse bem menor do que o meu.

Os meus dramas começaram quando eu quis aprofundar os meus conhecimentos acerca de um objeto de consumo, cujas embalagens multicoloridas infestavam meia gôndola da seção de higiene pessoal do hipermercado. Havia abas e geis demais para o meu hipossaber. Foi assim que conheci o meu primeiro amor, o Doutor Silverberg. Meus relatos foram se tornando propositalmente truncados, pois além dos "boa-tarde" e "até a próxima", era a única forma de me deliciar com aquela voz máscula repetindo "continue".

Hoje estou me formando em Direito e namoro uma colega. A Gilmar é muito sensual e compreensiva. Adora a minha sensibilidade poética e a cama é altar do mais suntuoso culto ao prazer. Ela faz uma cara engraçada quando, no instante mais crítico, satisfaz um capricho e sussurra guturalmente um "continue!" em vez do "não para!". Não sei bem como nos apaixonamos, mas a coisa rolou depois que ela me pedira sugestões para dois presentes que brindariam o segundo domingo de um mês de maio qualquer.

Temos planos para o futuro. Montaremos banca especializada em Família e acionaremos o Estado.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Te Cuida, Mano!

(Lançamento oficial da candidatura de Jota 'Jarbulani' Ponto para Técnico da Seleção Brasileira)

Sim, sou candidato. Vejam, já começo bem, pois não tenho filhas. O grupo será multicolorido, suprapartidário e infravermelho. O composto atuará com um representante de cada estado, seja sólido, líquido ou pastoso.

Convocarei a imprensa para que faça suas indicações, podendo refazê-las a qualquer momento. O Galvão será o meu porta-voz, uma espécie de RP. Relações-públicas? Não, vocês interpretaram mal. É respondedor de perguntas, mesmo: a cura homeopática.

Sou pragmático. A formação será 4-1-5. Quatro zagueiros, cinco atacantes e um coringa. Quero nem saber, jogo é jogo. Tenho colhido resultados fabulosos com a Islândia, num videogame de 1995.

Não creio em moluscos, não pratico mandinga nem faço sinal. Posso me resumir na mímica mais universal, com destaque ao centro-médio.

Enfim, é isso e guardarei algumas cartas. Posso arremangar, mas só um pouquinho: Rogério, o Cênico, já aceitou convite para desarticulador de tramóias da Fifa. Até 2013, senão antes, a Justiça libera o meu preparador físico. E ai de quem não cumprir a trilha no sítio do Bola da Vez.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Gosto de Ser Suspeito


Gosto de ser suspeito. Pessoas suspeitas são constantes, não causam surpresa. Estão acima de juízos porque já trazem, em si, algo condenável. Ninguém sabe, ao certo. Mas, dirão, é certo.

A suspeição recomenda que os dois pés fiquem atrás. Indivíduos com esta pecha gozam de uma popularidade sem alarde. A possibilidade de um flagrante, de um indício, converge.

Manter uma aura duvidosa proporciona respeito e um distanciamento salutar. As portas se abrem com redobrados cuidados e ninguém lhes pede dinheiro. Ah, e quando fazem uso do instrumento vocal, o ambiente amplia a diversidade acústica. É como se lograssem ouvir o canto do uirapuru no bico de um curió.

Um bom suspeito deve saber inspirar desconfianças, com calma e método. Olhar pelos cantos, não pagar em cheque ou com notas amassadas e nunca parar para acender um cigarro. Nem para conferir o restaurante que acabou de explodir.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Inolvidável

Menos arredio ao que represente a controvérsia do inexplicável, desguarneço as seteiras do castelo das ideias. Diante desta impressão, a imparidade da expressão só me parece comparável às fragrâncias da saudade.

Ao sarro que se deposita no fundo da garrafa da existência não se concedem méritos. É dos matizes e notas se oxidando, entregando-se ao fruir deletério, a essência do olvidar.

O etéreo ao etéreo pertence. Rasgando o córtex, aquele douto investigador das tessituras e dos fisiologismos é que não deslindará o intangível. Terá, por sinistro, amputado o próprio destro. Quão cega perscrutaria esta lâmina.

O inolvidável está no pigmento que sussurra além das fragilidades da tela. Não a sombra, que se projeta a posteriori, fugidia. Autoiluminado, é visão que precederá, se redesenhando.

Recostado ao espaldar quimérico, transcendo a sentinela dos sentidos. Subo à torre. O sentir ultrapassa o fosso do inexplicável e, remanescidos, recolho perfumes de flamboiãs, frêmitos de trigais, aquarelas crepusculares. O balouçar de algum véu, talvez. Dos ventos e das venturas, eis, a mim, o inolvidável.

sábado, 17 de julho de 2010

Inexplicável

Precatando-me com plausível, seguro e confortável distanciamento daquilo que se possa auferir por filosófico, me arrisco a afirmar que este vocábulo caminha sob bruxuleante luminar, fadado a figurar nos alfarrábios da ignorância.

A Literatura ministra a pílula do inexplicável, recobrindo-a com insuspeitos auríferos de quilate hermético ou idiossincrásico. Resta saber, diria um experto ourives, se a peça fora mergulhada em fundição ou apenas revestida por delgada folha do puro metal.

A sabedoria popular ensina que explicações são devidas, tão somente, aos circunspetos delegados da Polícia ou a truculentos porteiros. Os primeiros as tomam a termo, as lavram para ulterior apuro. Com admirável pragmatismo, os últimos solvem.

Na caserna, o jargão consolida: o que se justifica não se explica. É uma visão positivista, sem hesitações. A dúvida pendurar-se-á na conta do imaginário. Do metafísico e invisível pelotão, quando, nas trocas de guarda encobertas pela neblina que vai da hora zero ao alvorecer, era possível pressenti-lo em cadência de coturnos se estancando diante da gruta. A casamata, que outrora abrigou paiol, cuspira seu conteúdo, dizimando a guarnição.

Saiamos, pois, desta parva névoa. Dirá, o experimentado alopata, que tudo o fez, nos limites da cognição psiquiátrica, para a cura. Que o incurável, o é, por inexplicáveis disfunções sinápticas. Ora, confesse-o, então, que, insipiente, ainda não alcançou determinar causa com precisão. O inexplicável, meu caro doutor, adjudique-o ao simplório diagnóstico, enquanto ainda busque com o quê prognosticar. Não é da Natureza se fazer passar por desordenada naquilo em que a inteligência ainda não encontrou a ordem?

Dia haverá que destruiremos este Mundo. Sim, este e, talvez, outros. É da imponderável e incógnita bioadversidade. É, ainda, do inexplicável.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O Teste

A sinuosidade do vapor flui do líquido negro e aromático, levemente balançada a cada baforada. O ar carregado de frio faz barreira invisível e, à fumaça expelida, segue-se um rastro de humores condensados. Por uma imprecisão temporal, os pensamentos se misturam a este desarranjo, desabando sobre a nitidez da louça. Descruzo as pernas e as tranço, novamente, mudando o lado, reajeitando a saia para que volte a recobrir. O balcão começa a ganhar movimento. Entre sorvos e tilintares de colherinhas, as coxas recebem a onda tépida de indisfarçáveis desejos. Estico, instintivamente, o veludo riscado e vermelho. Não por pudor, mas é a frialdade que age. Os pequenos pontos róseos que acusam a temperatura na pele clara parecem acirrar os tilintares. Sinto a excitação, que só titubeia quando percorre o restante e estanca nos scarpins pretos. Agradeço calada a aprovação daqueles imbecis e refaço o batom corrompido pelo filtro do cigarro. Entre causa e efeitos, me sinto absolutamente segura. O mentol cuidará do hálito e a vaga será minha.



quarta-feira, 30 de junho de 2010

Quereria Tê-lo Escrito em Versos



Ao apertar as teclas, quais ora me transmito, cometo a bufa. Saberá, quem me lê, com que parte do corpo, acaso, as imprimo? Pior, e se não do meu próprio? Que impolidez! Quanta rudeza...

É certo e acertado terem me submetido ao grafite. Aos primeiros manuscritos, do bestial beabá, dos ditados de Dona Candinha, o papel ofendido bem podia se defender. Fazia-me confessar em aparas, mazela a exigir nova ponta.

Caneta? Tal privilégio era só concedido ao cabo de alguma perícia, quando a ação já se interpunha, em tempos de fazer sentido, entreverando um sujeito qualquer ao diretíssimo objeto. Sem que antes, claro, se soubesse delinear e inscrever a clave de E naquela claustrofóbica pauta de três linhas. Será por isso, meu Deus, que a deusa Cali tem tantas mãos?

Deus não responde e o Diabo se incumbe de me armar com uma cânula cristalina, feita do maldito sangue que jorra no Golfo. Com ela, afronto Machados e assassino Pessoas, apondo um borrão.

Oh, Pena, que bebeis
tão somente e amena
a gota necessária
que se equilibra
precária e urgente

Vossa Sina é doar-se
à fibra da mão qualquer
que, reta, vos dissolverá
nas asperezas da rotina

Não preferiríeis, antes
– pensai e resolvei –
as tortas vias do Poeta?

terça-feira, 15 de junho de 2010

O Infinito é o Fim

                 Resolver a si mesmo sempre foi a questão. A ausência da espiritualidade esvazia a existência. O somatório das parcelas de todo o conhecimento alcançado durante uma vida, por mais elevado que constitua esse numerador, terá, infinitamente, por denominador o zero.

                 Temo insultar os antepassados, que levaram cinco milhões de anos para evoluir, vindo propor tão ignóbil equação. Temo, também, ser objeto de extraterrestre escárnio, enquanto observa convicções anímicas ainda tão tribais, se é que seja possível estabelecer uma taxionomia universal.

                 Quem me garante que Moisés, desconhecendo a psicogênese, não tenha idolatrado o próprio ego? Ou que o paranormal Jesus extraísse dessa excepcionalidade poderes para reanimar um corpo?

                 É tão risível a contradição eclesiástica que nega o mediunato e se funda naquilo que já foi testemunho apostólico. Não se excluam os demais credos, por equânime trato, dos seus outros sofismas.

                 Que se admita caberem aos dogmas a capacidade de guardar a excelência do caráter, na conduta mais abstrata que pretenda dar ao bem comum. Mas que seus propaladores não queiram jungir a razão a um inconcusso dogmatismo.

                 Cada vez que constatamos que nada acontece por acaso, que há mais um elo, que os meios justificariam os fins, somos instados a nos perguntar sobre o propósito existencial.

                 Uma vez um judeu me ensinou que o Antigo Testamento conteria preceitos sanitaristas, proibindo o consumo de carnes de animais de patas fendidas e determinando que o homem que copulasse com mulher menstruada devesse ficar afastado da tribo por alguns dias. Ora, naqueles tempos em que a higiene não habitava, e tampouco a assepsia, não é de se louvar tal inspiração? Não é o porco hospedeiro de um verme e não há presença da menotoxina no fluxo?

                 Quereria Platão me fazer acreditar que, simplesmente, redescobrimos o que já sabemos. Mas, então, sabemos de onde?

                 Mistificar e mitificar são dois verbos que bem servem à letargia. Dissociar a alma do intelecto não me parece o melhor estratagema para vencermos ignorância. Então, meus caros, espero reencontrá-los daqui a algum tempo. Uns quinze milhões de anos, talvez. E que Deus me perdoe por ser blasfemo, presunçoso e prolixo. Quase um ateu.

Desiderato

Ars una, species mille

Refestelam-se em retretas
As mais abortadas letras
Mal-acabadas feito feto
Com quais penso me poeto

Septicêmicas vão, destarte
Contaminando o meu ócio
Engrandecem-me ao bócio
Fraudando o valor da Arte

Com a incúria se lambuza
Vá com quanto mais sanha
Artífice do Nada ao pote

A Alma se revela obtusa
Em verso a visão bisonha
Eis a Ignomínia — meu dote!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Dicas para Celibatários e Outros Seres Sem Noção

(autoajuda*)

Passando Café

                 Tenha uma garrafa térmica e uma chaleira com capacidade um pouco maior. Meça a água na térmica e despeje-a na chaleira. Adicione, aproximadamente, um copo de água. Com alguma prática, você acostumará as vistas com o volume ideal, sem mais precisar medir. Ponha a água a ferver em fogo alto e, no ínterim, prepare o receptáculo (bule, portafiltro, filtro e pó). Há portafiltros que se acomodam ao gargalo da garrafa. Se o dia for quente, despeje a primeira coada logo que a água chiar. Isto também proporcionará um melhor sabor. Na segunda, já com a água ebulindo, apague a chama do fogão. Economizará gás. Se estiver frio, repita o procedimento anterior e, na segunda coada, baixe a chama, só apagando-a na última. Com a água restante, escalde a ampola da térmica. O café permanecerá por mais tempo aquecido. Economizará gás. Utilize filtros médios e o correspondente portafiltro. Há embalagens com sessenta unidades que custam bem pouco mais do que as de quarenta. Você não sabe analisar a relação custo versus benefício? Tudo bem, tem um jeito simples de fazê-lo: divida o preço da embalagem menor por dois e multiplique essa metade por três. Se o resultado for superior ao preço da outra, vale a pena comprar a maior. Não jogue fora a água restante. Escalde o portafiltro e a colher com que foi medido o pó. Economizará água. Se, ainda assim, sobrar alguma água na chaleira, deixe-a lá. Já estará fervida e disponível para algum outro improviso culinário. Pronto, agora é só beber e exclamar: Yes, I can!

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*ao melhor estilo paulocoalhado, ou seja, sem nenhum e cagado de lugar-comum, desde que autoajuda possa significar limpar-se com a vagabunda da folha que o contenha.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

1971 (ou Lira dos Quinze)

                 Quase me fodi, ano passado. Precisava de três e meio em Matemática. Tangenciei. Literal e geometricamente, dois décimos acima. Depois, fevereiro, praia e paixão. A praia, uma dessas sem status, água salgada, areia molhada, areia salgada, água molhada.

                 Mas aquela franja ressaltaria uma sedutora linha adunca. Nenhuma psicanálise conseguirá deslindar. Seguir-se-ia malícia feminina no convencimento de que Ópera se escreveu com H. Ao menos no letreiro do cinema, lá da sua terra. Fazer o quê, Veríssimo, se foi Ana?

                 O jogo das letras eram as tardes. Ou manhãs que não davam praia, ao salão do hotelzinho da rua do mar. Eu esnobava uma Cross, escrita fina, dourada. Levava, junto, o caderno e uma PaperMate rosa-choque. Mulheres são almas que se conquistam — ou adestráveis — pela curiosidade. O signo continha.

                 Vai semana. De siri em casquinha. De paquera, sem ficar. Tabus...

                 Tragédia. Quando, ao jantar, ela veio. À mesa, e foi assim. Um "só vim me..." e tchau. Engoli sem mastigar. Precisava sair dali e ninguém saía sem terminar — era lei.

                 Tarde.

                 Só rastro. Na areia, o relevo das estrias. Dos pneus de um quatro-portas. Quatro sinaleiras, recentíssimo verde-musgo.

                 ...

                 O ano correu quieto.

                 Passou.

                 Passei.

                 Por média.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dona Brasília

                 Quando nos conhecemos, a antipatia foi recíproca. Ela, já balzaquiana, me olhou de cima a baixo, literalmente. Seu desdém me deixaria febril. Subi, acabrunhado, a escadaria que dava para o apartamento. Meu irmão abriu a porta: estava a salvo.

                 Era véspera da formatura do seu oficialato e não deixaria que ela estragasse. Bebi água e desejei encontrar moléculas de ar respirável em meio àquela secura. Depois, mais refeito do efeito rarefeito, fui à sacada e percorri os horizontes. Ah, eu sabia! Essa pavoa, que esnobara uma plástica niemeyeriana, deixava a descoberto seu passado bem vermelho e grudento.

                 Embustes desfeitos, Dona Brasília viraria referência, uma espécie de cafetina condescendente. Além deste, acolheu outros dois, do mesmo sangue. Que se formariam, então, pela UnB.

                 Aprendi a respeitá-la da forma mais cruel, quando o pai dos meus sobrinhos, agora coronel reformado, apontou insuficiências didáticas, aqui, em Gramado.

                 Quiseram as áleas da sorte que, mais uma vez, meu pé direito tocasse seu manto. A conexão forçada me obrigaria a passar a noite em seus braços, um tanto mais rechonchudos.

                 Este inesperado encontro nos fez bem. Havíamos amadurecido, reconhecido agruras da intempestividade. Fomos, mutuamente, cordiais. Ela até me deixaria, no decorrer, visitar minha mãe e, quando segui, augurou venturas.

                 Da viagem, guardo indeléveis momentos. Do sorriso quadradinho da absoluta musa, ao vivo e em sabores, pelo qual atravessei o país e, da volta, um luzeiro. A conexão fora noturna. Rápida, dessa vez. Vista embaçada com a saudade que já comprimia, vislumbrei, da janelinha, via-láctea em plano-piloto.

                 ...

                 Parabéns, Dona Brasília! Com toda a intimidade com que já me permito e ouso, acrescento: parabéns, cinquentona! Poderosa cinquentona...

sábado, 27 de março de 2010

Coisas da Tevê

                 Interessadíssimo no resultado da peleia¹ Estado versus Casal Nardoni, corri os canais quando ouvi anunciarem o áudio da prolação final. Posso testemunhar que, enquanto a Band iniciou-o, as outras estações ainda ficariam, por um bom tempo — ri — chupando bala.

                 Entrementes, de tudo se via. Até repórter novata pagando microfone para empedernido comentarista. Da mesma emissora. Que antes, estivera a campo, tão roto de afazeres quanto ela, catando sensacionalismos. Não há mais com que se encher tanta morcilha². Ri, de novo.

                 Também me foi dado flagrar, quando despertaram as demais dos seus vacilos, um delay entre a Record e o SBT, tempo suficiente para que um corpo caísse numa e, ainda, se pudessem ouvir, na última, os estampidos.

                 Essas relatividades um pouco que me assustam, quando, por exemplo, a promotoria se sustenta em tese balaustrada nas frações incertas de uma tal linha do tempo. De onde a Perícia teria recuperado os registros que terminariam por fulminar os réus? Das operadoras particulares de telefonia, permissionárias do Executivo? Da Anatel, cujo mandatário é nomeado por um sujeito que se subleva às determinações do TCU? Afinal, quem me garante a probidade nesse ajuste de ponteiros?

                 Sábia reflexão foi a do defensor, quando aventou que o clamor popular poderá, um dia, estar sentado no mesmo lugar dos Nardoni, sofrendo idêntica inclemência.

                 A incandescência televisiva seduziu, inclusive, o magistrado, que se aventurou, ao menos, ecoar em rede. Claro que não feriu o recato, a discrição, nem o decoro para com o trato processual e jurídico. Mas deixaria escapar pessoal impressão, onde, por duas vezes, apontou desvios psicológicos em um dos réus. Vai que a defensoria queira incluí-la nos recursos... Que chato, êim, Senhor Juiz?

                 O espalhafato reserva tocante cena final, com o telecóptero³ da Record enviando imagens de lampadinhas vermelhas escoltando camburões, por algum tempo dos quilômetros que separarão a quizila do ostracismo.

                 Cometa-se, urgentemente, outra hediondez. Povo adora maquetes.

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¹Variação para peleja.
²Variação para morcela (morcella).
³Neologismo, à revelia.


terça-feira, 16 de março de 2010

Vidância

                 Olhei para o varal e as sinapses me enganaram. De novo, desafiando a erudição germânica, as colunas da Hélade e demais consagrações acadêmicas. A pita de aço revestida de plástico nascia de um dos caibros do telheiro da areazinha, indo morrer no estuque branco da casa dos fundos. O coração, peça fundamental em qualquer esforço, de quando em vez necessitava transplante, pois que taquaras também não são eternas. Creiam-me, corações não são órgãos interesseiros. Calunia-os quem os vê atraídos por airosas calcinhas, quando, malfadados, resistem à pressão de algum macacão encharcado. Por minha culpa ou êxito, este aí passa, a maior parte, vazio de obrigações.

                 Então a vida se traduz por um fio pairando ao nível estabilizado? Sinto esvaziá-los de esperanças, mas esta é a mais pura inverdade. Peço que não mirem seus trapos oscilando ao vento, pois irão incorrer na presunção de que admiram seus efêmeros estandartes. Ah, você dirá, mas no meu até colibris pousam! Ah, direi eu, é sagaz a natureza que defeca com tanta sutileza.

                 Apegando-me a este mote, recordei formigas em travessia. Não é maravilhosa a existência que serve, involuntariamente, a outras? Ora, esses serezinhos praguejantes e pelados, que nada mais fazem do que preservar a espécie... Muito indefinido, isso.

                 Convicto das bases da reengenharia, estendi a nota ao guichê. Vestindo apenas os mais velhos e descartáveis lábaros, conferi o destino impresso no resultado da permuta. Calma, Taquara, são só mais alguns passos até o boxe de partida! Na valise? Protetor solar, mel-conhaque-ervas finas e muitos frascos de repelente de muriçocas — herança da bestialidade racional. Ah, claro, dependurado ao pescoço, um desses acessórios incumbidos de carregar essencialidades cívicas.

                 Desci os degraus que aportavam à praia do Pinho e já tabuletas indicavam, com imprecisa decisão, meu rumo. Extasiado com a leveza do não ser, nem assimilei que, logo à primeira choupana, se desfraldava, em boas-vindas, uma toalha de banho.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Xã e Rêitxel

                 Nunca aconteceu com vocês? Pois comigo é frequente. Vão se materializando. Tomando formas, cores, trejeitos... voz. Sem uma ação específica. Com nenhuma finalidade. Apenas personagens.

                 Foi o caso de Rêitxel e Xã. Simplesmente aprimeiraram-se no plano, num cenário desfocado. Americanizados, iidichezados e oliudizados, bem como convém àquela indústria de conservas.

                 Sim, minhas personagens são atrevidas. Suas altas autoestimas desdenham do preto e branco. Querem-se em volúpias cenográficas, longe do substrato que alimenta traças.

                 Rêitxel não é uma ruiva qualquer. Há algo de latino em sua pele, que desafiará os puristas. Seu par é um doce assassino — se é que podemos glicosar a morte. Mal sabe ela que este parceiro é um sórdido Big Brother abocanhador de Oscars.

                 Ah, diante desta insigne menção, as personagens evaporaram. Deixaram-me órfão de pai e mãe. Poxa, Lula, por que você não foi lá defender o melhor filme estrangeiro?

terça-feira, 2 de março de 2010

Vancouveria

                 Acabou-se a olimpíada dos ricos e esnobes. O demagógico discurso final por muito pouco não me contempla, já que executei um quadruple toe nas antenas da tevê, até discernir flocos de chuvisco.

                 Vão e vêm jogos, e, nesses comitês, é sempre a mesma velharia com seus sorrisinhos sonolentos em semblantes pedófilos. Um zunido neurônico me faz supor fila sucessória maior e bem mais persistente do que a do SUS. Tal muxibento festival não dispensaria holofotes a Neil 'Forever' Young, ao que a performance de Morissette delatou compreensível desconforto.

                 Sobre patins, a coreografia sacia olhares. Vigorosos e gráceis movimentos, em que até escorregões e tombos acontecem com sutil diferencial. Fico prostituto-aglutinado quando a estupefaciente japinha-cleópatra queda, preterida, no encômio à 'mamãezinha que morreu, tadinha...'.

                 Ora, quão irrisórias e risíveis são essas putícies-da-cara ante a hegemonia consolidada em decisões do G-8. Não é à toa que o colorido dos aros se faz restrito à credulidade atlética, desde que, no altar, os círculos se ostentem platinados. Se Canadá ou se Canadeu, sei lá. Sei que lá, beber na quadra, não dá cana — ouro cala.

                 Enquanto isso, na Cachassambalândia, o presidente-rezador envia tropas ao Haideti, esbravejando direitos à comissão de segurança.

                 Tens neve?

                 No?

                 No snow, then never.

                 Que vá rogar a São Joaquim...

                 That's all, folks!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Perdas e Danos

                 Riam-se, enquanto o samba reforçado fazia roda, sede à flor, frenética. Um a beijou, outro já deslizava o zíper dos jeans que ela, bem apertados, vestia. Desincumbiram-na da blusa. Mais risadas: seu corpo passara a ser o rodízio. Alternavam-se lábios e uma dezena de mãos percorreria por todos os vieses, arriando a calcinha, soerguendo o sutiã. À sessão, itinerante, compareceu uma câmera — carnes vilipendiadas pela mal focada nudez.

                 Chão de cimento queimado, o pinnus vagabundo da cômoda, por tudo havia o roto dos trapos. Tirados. Atirados. Até restarem, tão somente, cuecas e lingerie. As camas — havia duas — juntaram-se, resguardando estreito vão. Totalmente desnuda, fizeram-na se agachar, pernas e braços em pilares dessa ponte.

                 Assomou histeria:

                 — Íssu, íssu! Dedunucú! Dedunucú! Dedunucú!

                 Mesmo querendo fodê-la, a extremidade distal lambuzada no óleo de cozinha explorou-a com certo vagar. Introduzida trecho a trecho, falangeta, falanginha, falange, fez-se de alargador tribal, instantânea consequência.

                 — Aaai, taduênu! Aiêe! Aiêe! Auf, auf, auf...

                 A gemeção estimulou o sadismo com que passou a ser estocada, deixando o ar impregnado de óleo recém aquentando e merda. Aqueles lábios recortados na sensação ensejaram um pênis boca a dentro, que se avolumou e foi acolhido.

                 Os guris empurravam-se, brincando, disputando vez no folguedo. Um travesseiro encardido, ao chão, serviu a joelhos. Que genuflectiram, para que a fresta fosse lambida. De forma jocosa, olhos arregalados, a língua bastante estirada, clamando olhares de uma hilária aprovação.

                 Não era feia. Nem exuberante. Dezesseis? Dezessete... Não mais. Perfumosos, espalhavam-se fios por formas sem desvios, a brandura da tez contrastando com outros pelos em negrume. Que se deixavam fustigar.

                 Encaralharam-na. Foderam-na. Grunhia. Balbuciava. Pedia mais. Um a um, da vez; todos, de vez. Quando a ardência do fulcro enjeitou, o mais velho sentenciaria: "— Voarrombá". Escudeiros entenderam e, fiéis, seguraram. Isso ela não quereria e urrou quando a glande arremeteu, esgarçando. Seu conforto foi outras oito mãos e quatro bocas, de algum proveito ainda se servindo.

                 Os pixels registrariam a derradeira nuança: de pé, pernas anguladas, girou o delgado torso para alcançar o látex que ainda pendia. Retirando-o, ponta dos dedos, instou:

                 — Ô, cabeça dirratão, vê siácha, aí, minha calcinha. Tão dissacanági?

                 Recompôs-se com o que pode e saiu com ares de indignação, mente conturbada pela inadmissível perda. Nem percebeu o chute simulado, desferido com careta de desdém, em direção às nádegas.

                 Ainda tonta do desvario e da cachaça, uma voz concluía:

                 — Qui fubangada daóra, véi! Vaissivingá di namurádu, assim, no carai...

                 Deixando os asseclas rememorarem imagens do muquifo, o líder desceu à esquina para reassumir responsabilidades de ponto. Antes de guinar, ainda advertiu:

                 — Aí, ó: sexta, praquenquizé, tem mais! Mazé sem patrocim, tassabênu? A vadia mideu bêiçu, tá midevênu 'masparada...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ômega 3



                 Ando esquecendo coisas. Ontem, mesmo, tentava lembrar um nome e, hoje, nem sei do quê. Alzheimer? Quero nem pensar! Me mato! Tem um remedinho...

                 Eutanasista convicto, urge traçar diretrizes. Pensei em tatuá-las num braço. Mas aí teria que sê-lo codificado, pra não ficarem à espreita. O brabo seria recordar o significado.

                 Bem, expandi, ao menos, e por enquanto, o elenco da sobrevivência. Agora, faço a sacola catando sardinhas, atum e salmão. Culpa dessas reportagens indutivas: "ômega 3", "ômega 3", "ômega 3"... Dizem que cria neurônios. E quanto aos velhos? Sem chance.

                 Corro riscos. De não riscar o fósforo e me deletar ao clicar o interruptor. Ou encontrar o Arruda, por aí, e, por nebulosidade, desferir-lhe um afetuoso cumprimento. Vai que seja algum amigão de outrora? Bah, a lista é grande... e já esqueço.

                 O que me intriga é essa tal letrinha grega. Pouco se me deem as explicações científicas ao que ela signifique, pois junto com o preço do salmão, por fim e enfim, é o fim.