(e para não dizer que não falei de flores)
Era uma vez uma banda. Quem assistisse aos desfiles, se admiraria com pompa e garbo do uniforme. Da harmonia e cadência encerrados na profusão dos dobrados. Jamais suspeitariam, entretanto, que rudimentares noções de ritmo resumir-se-iam a didáticos e nada ortodoxos versos:
caralhinho, caralhinho, bunda
caralhinho, caralhinho, bunda
a boceta não tem dente
mas aperta o pau da gente
caralhinho, caralhinho, bunda
caralhinho, caralhinho, bunda
toma limonada
pra cagar de madrugada
toma limonada
pra cagar de madrugada
caralhinho, caralhinho, bunda
Alvitrando escansioná-los, indômito futricar — e salvo maior autoridade presente ao recinto — chegaríamos a algo em torno disso:
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = verso jâmbico (eneassílabo com acentos na terceira, sexta e nona sílabas)
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = idem ao anterior
a /bo/ce/ta /não /tem /dente = verso heptassílabo
mas /a/per/ta o /pau /da /gente = idem ao anterior
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = verso jâmbico
ca/ra/lhi/nho, /ca/ra/lhi/nho, /bunda = idem ao anterior
to/ma li/mo/nada = verso pentassílabo
pra /ca/gar /de /ma/dru/gada = verso heptassílabo
to/ma li/mo/nada = verso pentassílabo
pra /ca/gar /de /ma/dru/gada = verso heptassílabo
caralhinho, caralhinho, bunda = verso jâmbico
A melodia executada pela banda visa florear a marcha. Em contrapartida, na cadência desta é que se dá o compasso da música. O que vai por aparente absurdo na disritmia encontrada acima, acomoda-se, harmoniosamente, no que abaixo segue. Por comodidade, ainda, vão abreviadas as notações da mesma, que irromperá ao pé esquerdo, locupletando-se no direito.
Taróis e surdos:
caralhím, caralhím
esq. dir. = dois tempos (compasso binário)
Bumbos:
bum dá
esq. dir. = idem
(repete a frase musical)
Bombardinos:
ábu cêta
esq. dir. = idem
náuntem dênte
esq. dir. = idem
mása pérta
esq. dir. = idem
opáu dagênte
esq. dir. = idem
Repique dos taróis, surdos e bumbos:
caralhím, caralhím
esq. dir. = idem
bum dá
esq. dir. = idem
(repete a frase musical)
Caixas, com esteiras de doze fios:
tôma limonáda
esq. dir. = idem
pracagá dimadrugáda
esq. dir. = idem
(repete a frase musical)
Finalização, por taróis e bumbos:
caralhím, caralhím
esq. dir. = idem
bum dá
esq. dir. = idem
Nos caralhinhos finais, o mor acenava a batuta, imediatamente firmando-a, por ambas as extremidades, paralelamente à fileira dos bumbos, e, na última sílaba da bunda, a recolhia até a linha da cintura, cessando, desta feita, por completo, o ruído dos instrumentos.
Evidentemente que há de se perquirir o leitor o que o cu teria a haver com as calças. Nada. Música é música, poesia é estilo literário. Tais pretensos versos visavam, tão unicamente, reproduzir, de forma onomatopéica, o som dos instrumentos e a ocorrência nos compassos musicais.
Se o ritmo musical foge à compreensão dita literária, pouco se importaria, com tais preceitos, a arte da harmonia sonora. Afinal, não é da poesia que se escrevem partituras. Ao contrário. O fenômeno musical, rico em colcheias, semicolcheias, fermatas, arpejos, alegros e pianíssimos, é que emprestará ou não, sonoridade a versos. Ouse empregá-la, por magistral, o poeta. Saiba extraí-la quem puder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário