quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sala Limpa

                 Corpo banhado, a fibra do macacão descartável pinicava a epiderme. O percurso entre a ala residencial e a unidade de projetos não levaria mais do que dois minutos, a pé. Prefiro o baby-sitter, um carrinho elétrico que todos nós, aqui, no complexo, temos. Arrastam-se quase cinco minutos... Suficientes para inalar. Com a mão esquerda ao volante, a outra bem cambiaria a marcha cardíaca. A transparência da noite permeia-se de lúmens, transpassando o firmamento da alma.

                 De tão uniforme, a nata asfáltica amalgama-se aos elastômeros, deixando leve rastro audível, só um cricrilar oriundo das aletas do rotor. Estanco à vaga mais próxima do acesso principal e interrompo a corrente. Autômato, cruzarei o saguão. O vigia, ao perceber-me vulto, esgueira um olhar de canto, que logo subiria ao relógio, quedando, redirecionado, ao filme. Passo rente e lhe escapa um 'noite, doutor', qual retribuo, mínimo meneio.

                 Descalço-me e dispo o macacão, que vai para o incinerador. O corpo nu será recoberto, dessa vez, pelo avental, pela toca, pela máscara e pelos pares de pantufas e de luvas da embalagem esterilizada. Prossigo e alço a íris ao dispositivo de reconhecimento. Abre-se o primeiro estágio da porta tríplice; avanço. O comando fecha a primeira seção e vaporiza o composto que aniquilará bactérias, liberando a passagem para o próximo. Um passo e meio me colocam ao centro do círculo onde receberei uma descarga ionizante e a varredura gama. A leitura digital aprova o meu status. Adentro, enfim, a sala.

                 É preciso ordem. É preciso ânimo e convicção. É preciso máxima assepsia para sofisticar a eficiência da dejeção eletiva.

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