domingo, 3 de maio de 2009

As Coisas Mais Simples

                 O que me dói é não ter enviado um buquê. É não ter feito aquele passeio mais besta pela praia, só pra curtir um pôr-do-sol. Ou não tomar um sorvete e lamber carinhosamente o teu queixo, pra aparar um filete que se deixou escapar dos lábios.

                 O que me dói é não ter corrido pra te levar um guarda-chuva na saída da escola e ficar com a maior cara-de-tacho porque o sol trapaceou e resolveu reaparecer. É não ter assistido àquele primeiro filme que provocou uma tremura na alma e ficar taquicardíaco toda vez que toca aquela música. Ou não ter escrito o 'eu te amo' num cartão do dia dos namorados.

                 O que me dói é não ter subido ao terraço daquele prédio mais alto e olhar pras luzes e pras estrelas, como se fôssemos o topo do mundo e que o universo é que girava em torno de nós. É não ter sofrido os minutos da espera por um encontro e perceber que os segundos da ausência são um imenso tempo perdido. Ou não ter rido dos tênis sujos com o orvalho e o pó da terra e dos jeans impregnados de pega-pegas, depois de um andar de mãos-dadas pelo campo.

                 O que me dói é não ter me sentido o grande cavaleiro que enfrentou o dragão da farmácia e trouxe pra sua heroína um mero pacote de absorventes. É não ter entrado duas vezes na mesma fila pra ganhar mais uma provinha de sei-lá-o-quê e retribuir com um sorriso o ar condescendente da demonstradora. Ou não ter se fingido de indiferente pelas unhas pintadas num tom diferente e tentar manter a farsa diante da cara azeda de decepção, só pra poder imaginar a cena de uma bolsa sendo aberta, onde um misterioso bilhetinho confessa ter adorado a cor: "— Cachorro!"

                 O que me dói não é não ter a fúria das bocas se engolindo de paixão. Não é a saudade dos corpos se esfregando alucinadamente. Nem a falta do abraço mais confortante depois do êxtase. O que me dói foi não ter vivido isso: as coisas mais simples.

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