sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Coroa e o Pinhão

A manobra fora malfeita. Por inevitável, o cordão da calçada se interpunha como uma barreira na cobrança de uma falta. Enfim, o choque ocorreu. O pneu ofereceu um baque surdo, seguido de um trincolejar. A correia não suportara a pressão, se rompendo. "Pobre bicheirinha" – pensei.

Já na oficina, adicionei um acessório, como se quisesse compensá-la por danos morais. Junto com o troco, veio a nota, que discriminaria uma correia e um "pézinho". Um "pézinho"? A caligrafia feminina, rechonchuda e arabescada, que caprichosamente aporia uma bolinha no lugar do ponto do i, me desarmou de qualquer perspectiva crítica.

Pedalando divagações, voltei. No caminho, lembrei de como já fora romântico convidar a gata para dar um rolé no aeroporto e bebericar um "cafèzinho". Essa brasilidade, contida no aroma e na forma, em especial nesse charme de entortar o acento para obter o diminutivo, nos tornavam únicos. Por que temos que aceder a reformas e acordos?

Cheguei em casa e estacionei a bicicleta bem no meio do alpendre. Ela se deixou fitar, embevecida. Como uma garota que exibe as peças recém adquiridas num shopping. Examinei-a de alto a baixo. De través. De talho e talhe. A correia lucilante recobrindo aquilo que outrora já se tratou majestosamente por "corôa". Ao centro do rodado traseiro, parei e esbravejei: "Seus gringos de merda, quero ver vocês tirarem o til do pinhão!".


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