O deque de fibra se parecia com o chão de um caminhão frigorífico. Os filetes vermelhos escorriam dos cotovelos. Misturados à água salgada, formavam um caudal amazônico, esparrinhando-se na brancura do convés.
– Tá tudo bem aí?
– Vê se maneira, porque me machuquei feio.
– Isso passa. Logo sara.
– Não, não são essas bocetinhas nos braços. É o peito. Bateu muito.
Orlando arremetera o bote, de propósito, contra as marolas. Filho da puta! – pensei. Mas, na condição de proeiro convidado, não poderia ofender o timoneiro. Na volta é que fui perceber a intenção.
– Mas, tá tudo bem, mesmo?
– Tá.
– Tem certeza? Quer que te leve num hospital?
– Capaz!
– Te dou um seis, pela primeira vez. Não enjoou?
"Ah, então era isso?" – e engoli, pela segunda vez, o "fiadaputa".
– Não enjoo.
"Então subiu para oito" – e ficou rindo, feito guri que põe percevejo na cadeira dos colegas.
À tarde, conversávamos na área, à guisa de alpendre. Tintinho, mamado, meteu o bedelho:
– Eu é que não entro lá, de barco!
"Então nunca vais ver o que vimos" – aticei.
– Viram o quê?
– Sereia.
– Sereia?
Orlando captou na hora, e arrematou:
– Eram duas. Uma loira e uma morena.
"A loira é a chefa delas. Uma tal de Loreley." – concluí.
Tintinho estancou hirto. Estático. Arregalou os olhos, fitando um, e, depois, o outro. Por um momento pensei que teria um piripaque. O corpo fez um movimento de vai-e-vem, para a frente e para trás, e estabilizou. Com o semblante carregado, quase colérico, disparou:
– Eu também já vi essa loira!
Passei um mês me arrastando, para deitar e levantar. Dei sorte de não fraturar nenhuma costela. Não posso dizer se o que doía mais provinha da lesão ou das risadas.
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