segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sereias


Sirena - autor desconhecido

O deque de fibra se parecia com o chão de um caminhão frigorífico. Os filetes vermelhos escorriam dos cotovelos. Misturados à água salgada, formavam um caudal amazônico, esparrinhando-se na brancura do convés.

– Tá tudo bem aí?

– Vê se maneira, porque me machuquei feio.

– Isso passa. Logo sara.

– Não, não são essas bocetinhas nos braços. É o peito. Bateu muito.

Orlando arremetera o bote, de propósito, contra as marolas. Filho da puta! – pensei. Mas, na condição de proeiro convidado, não poderia ofender o timoneiro. Na volta é que fui perceber a intenção.

– Mas, tá tudo bem, mesmo?

– Tá.

– Tem certeza? Quer que te leve num hospital?

– Capaz!

– Te dou um seis, pela primeira vez. Não enjoou?

"Ah, então era isso?" – e engoli, pela segunda vez, o "fiadaputa".

– Não enjoo.

"Então subiu para oito" – e ficou rindo, feito guri que põe percevejo na cadeira dos colegas.

À tarde, conversávamos na área, à guisa de alpendre. Tintinho, mamado, meteu o bedelho:

– Eu é que não entro lá, de barco!

"Então nunca vais ver o que vimos" – aticei.

– Viram o quê?

– Sereia.

– Sereia?

Orlando captou na hora, e arrematou:

– Eram duas. Uma loira e uma morena.

"A loira é a chefa delas. Uma tal de Loreley." – concluí.

Tintinho estancou hirto. Estático. Arregalou os olhos, fitando um, e, depois, o outro. Por um momento pensei que teria um piripaque. O corpo fez um movimento de vai-e-vem, para a frente e para trás, e estabilizou. Com o semblante carregado, quase colérico, disparou:

– Eu também já vi essa loira!

Passei um mês me arrastando, para deitar e levantar. Dei sorte de não fraturar nenhuma costela. Não posso dizer se o que doía mais provinha da lesão ou das risadas.


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